David Seymour (Polónia, 1911/1956), 1º dia de escola, Vila de Pilis,
Analisemos
agora uma experiência mental: suponhamos que, ao reunir-nos para definir os
princípios, não saibamos a qual categoria pertencemos na sociedade. Imaginemo-nos cobertos por um “véu de ignorância” que temporariamente nos impeça de saber
quem realmente somos. Não sabemos a que classe social ou género pertencemos e
desconhecemos a nossa raça ou etnia, as nossas opiniões políticas ou crenças
religiosas. Tampouco conhecemos as nossas vantagens ou desvantagens — se somos
saudáveis ou frágeis, se temos alto grau de escolaridade ou se abandonámos a escola,
se nascemos numa família estruturada ou numa família desestruturada. Se não
possuíssemos essas informações, poderíamos realmente fazer uma escolha a partir
de uma posição original de equidade. Já que ninguém estaria numa posição de
negociação superior, os princípios escolhidos seriam justos. É assim que Rawls
entende um contrato social — um acordo hipotético numa posição original de
equidade. Rawls convida-nos a raciocinar sobre os princípios que nós — como
pessoas racionais e com interesses próprios — escolheríamos caso estivéssemos
nessa posição. Ele não parte do pressuposto de que todos sejamos motivados, na
vida real, apenas pelo interesse egoísta; pede apenas que deixemos de lado as nossas
convicções morais e religiosas para realizar essa experiência mental. Que
princípios escolheríamos?
Primeiramente, raciocina, não optaríamos pelo utilitarismo. Sob o véu de ignorância, cada um de nós ponderaria: “Pensando bem, posso vir a ser membro de uma minoria oprimida.” E ninguém arriscaria ser o cristão que é atirado aos leões para o divertimento da multidão. Nem escolheríamos o simples laissez-faire, o princípio libertário que daria às pessoas o direito de ficar com todo o dinheiro que ganhassem numa economia de mercado. “Posso acabar por ser o Bill Gates”, alguém raciocinaria, “mas também posso, por outro lado, ser um sem-abrigo. Portanto, é melhor evitar um sistema que me deixe desamparado e na penúria. “
Rawls acredita que dois princípios de justiça, poderiam emergir do contrato hipotético. O primeiro oferece as mesmas liberdades básicas para todos os cidadãos, como liberdade de expressão e religião. Esse princípio sobrepõe-se a considerações sobre utilidade social e bem-estar geral. O segundo princípio refere-se à equidade social e económica. Embora não requeira uma distribuição igualitária de renda e riqueza, ele permite apenas as desigualdades sociais e económicas que beneficiam os membros menos favorecidos de uma sociedade. Os filósofos questionam se os participantes do contrato social hipotético de Rawls escolheriam os princípios que ele afirma que escolheriam. Mais à frente veremos por que Rawls acha que esses dois princípios seriam escolhidos. Mas, antes de abordar os princípios, analisemos uma questão anterior a essa: A experiência hipotética de Rawls é a maneira correta de abordar a questão da justiça? Como podem princípios da justiça resultar de um acordo que jamais aconteceu de fato?
Michael Sandel, Justiça, Lx, Presença, pp.150, 151
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