quinta-feira, maio 23, 2024

Robert Nozick: Os mais favorecidos têm direito a queixar-se no sistema de justiça proposto por Rawls.


Ruth Orkin,  GreenwichVillage, Nova Iorque, 1949

Rawls dedica muita atenção a explicar por que os menos favorecidos não devem queixar-se de receber menos. A sua explicação, em termos simples, é que porque a desigualdade age em seu benefício, o indivíduo menos favorecido não deve queixar-se dela: ele recebe mais no sistema desigual do que obteria num sistema igual. (Embora pudesse receber ainda mais num sistema que colocasse alguém mais abaixo dele). Rawls, porém, discute a questão se os mais favorecidos acharão ou não, ou deverão achar, os termos satisfatórios (…) O que Rawls imagina que se diz aos mais favorecidos não demonstra que estes não têm motivos para se queixarem. A condição de que o bem-estar de todos depende da cooperação social, sem a qual ninguém poderia ter uma vida satisfatória, poderia também ser dito aos menos dotados por alguém que propusesse qualquer outro princípio, incluindo o de maximizar a posição dos mais bem dotados. Analogamente, a respeito do facto, só podemos pedir a cooperação voluntária de alguém se os termos do esquema forem razoáveis. A questão é: Que termos seriam razoáveis? (…) Assim quando Rawls continua: “ O princípio da diferença, então, parece ser uma base justa sobre a qual os mais bem dotados, ou mais afortunados nas suas circunstâncias sociais, poderiam esperar que os demais colaborassem com eles, quando o arranjo viável for condição necessária para o bem de todos”, a presença do termo “então” nesse período é enigmática. Uma vez que as orações que o precedem são neutras entre a sua proposta e outra qualquer, a conclusão de que o princípio da diferença oferece uma base justa para a cooperação não pode seguir-se do que a precede neste trecho. Rawls repete que os termos parecem razoáveis, o que seria certamente uma resposta pouco convincente para aqueles para quem eles não são razoáveis. Rawls não demonstrou que o indivíduo mais favorecido A, não tem motivos para se queixar ao ser obrigado a ter menos, para que outro, B, possa ter mais do que teria em outra situação qualquer. E não pode demonstrar isso uma vez que A, de facto, tem motivo de queixa. Ou não tem?

Robert Nozick, Anarquia, Estado e Utopia (1974), Rio de Janeiro, Jorge Zahar Editor, (1991), p.213, 214

 

quinta-feira, maio 16, 2024

Rawls: Como pensar uma sociedade mais justa.


Luís Pavão, Taberna da Rua de S. Mamede, 1981

"O político visa à próxima eleição, o estadista, à próxima geração. É papel do estudante de filosofia visar às condições permanentes e aos reais interesses de uma sociedade democrática justa e boa”, John Rawls

O filósofo norte-americano John Rawls (1921-2002) costumava dizer que a última coisa de que gostaria era de se tornar assunto de teses académicas. Não podia evitá-lo, porém. O que a frase acima indica é que ele preferia que seu pensamento servisse de inspiração para que outros implementassem, ou levassem adiante, as suas ideias, em vez de se limitar a alimentar teses e doutores. Dedicou boa parte da sua vida académica, se não toda ela, à elaboração de uma teoria da justiça, à qual deu o nome de “Justiça como equidade” (Justice as fairness). A sua teoria foi apresentada de modo mais consistente, em 1971, em Uma Teoria da Justiça, e a partir daí ocupou-se em responder às críticas e corrigir ou alterar alguns aspetos da sua teoria. O conjunto de sua produção converge, de maneira impressionante, para o tema central: como tornar as sociedades mais justas? (...)

Rawls não se limita a descrever uma situação de injustiça social; aliás, raramente o faz. Parte do pressuposto de que a desigualdade é inerente à condição do homem em sociedade, e que o homem é intrinsecamente auto-interessado, um “egoísta racional”. Ainda assim, julga, ele pode superar essa condição ao associar-se a outros para estabelecer os princípios da vida em comum. Para que a escolha dos princípios não seja distorcida por esses interesses, tal escolha efetua-se por trás de um “véu de ignorância”, os agentes ignoram a sua posição atual bem como suas chances futuras na sociedade, tanto as suas como as dos outros. A essa situação chama de “posição original”.

Uma vez escolhidos os princípios para essa sociedade, que são, argumenta, o “princípio da liberdade igual para todos” e o “princípio da diferença”, caberá a cada sociedade, internamente , deliberar sobre a forma de pôr em prática esses princípios

A igualdade de oportunidades só pode ser efetiva se todos se beneficiarem das mesmas condições formais de educação, saúde e alimentação, dentre outros bens primários. Caso todos possuam acesso pelo menos aos bens básicos, a condição inicial será justa. Isso não significa que não haja mais desigualdade, mas essa desigualdade será pelo menos aceitável para os que se encontram na base da pirâmide social; este é, basicamente, o que é enunciado pelo princípio da diferença. Como diz Rawls, a “igualdade de oportunidades é assegurada por um certo conjunto de instituições que asseguram igualmente boa educação e chances de cultura para todos e que mantêm aberta a competição para posições com base em qualidades que podem ser relacionadas com a performance”.

A teoria da justiça como equidade não constitui um igualitarismo rasteiro. Trata-se de mexer na distribuição até ao ponto em que se possa fazê-lo sem afetar a renda da sociedade como um todo, o que é conhecido como o princípio "maximin". Este defende que se pode elevar a renda e as condições de vida dos que têm menos, ao mesmo tempo em que se taxa progressivamente (ou por meio de um imposto de consumo) a renda dos que têm mais, até ao ponto em que uma maior alteração afetaria negativamente as condições económicas da sociedade em geral. Em linguagem mais simples, quer dizer que a desigualdade se justifica se e somente se, aqueles que estão na parte mais baixa da pirâmide são mais beneficiados pela presente repartição (desigual) de bens e oportunidades do que seriam se o sistema fosse mais igualitário.

Luiz Paulo Rouanet



quarta-feira, maio 08, 2024

Problemas do argumento cosmológico


No argumento cosmológico o cerne do problema é que, se a resposta à pergunta “O que causou o universo?” é X (Deus, por exemplo, ou o Big Bang), é sempre possível dizer-se “Sim, mas o que causou X?”. E se a resposta a isso for Y, poderá perguntar-se ainda “O que causou Y?”. A única maneira de fazer que a pergunta pare de se referir interminavelmente a uma anterioridade é insistir que X (ou Y, ou Z) é de um género tão radicalmente diferente, que a pergunta nem sequer pode ser feita. E isso exige que se atribuam a X algumas propriedades bem estranhas. Quem tiver relutância em aceitar esta consequência talvez se sinta mais contente ao aceitar a implicação de se estender indefinidamente a cadeia causal, designadamente a de que o universo não tem começo. Ou poderá adotar o ponto de vista de Bertrand Russell, para quem o universo é em definitivo ininteligível, um facto bruto acerca do qual não podemos falar ou debater com coerência. Uma resposta insatisfatória, mas não pior do que outras também disponíveis para este problema tão intratável.»

Ben Dupré (2011), 50 Ideias de Filosofia que Precisa Mesmo de Saber, Alfragide, Publicações Dom Quixote, p. 158

O Universo tal como até agora a ciência e a tecnologia nos mostra, com algum grau de certeza, é um conjunto de galáxias com estrelas e planetas e que, em número de seres existentes, tende para o infinito. A sua existência infinita ou não teve um começo ou não teve começo algum como pensavam os gregos; uma matéria eterna. Pode ser uma criação divina? As evidências de planetas e estrelas onde parece só existir  matéria sem vida em vários estados, aponta para a possibilidade de um acaso, e não para um Deus criador inteligente, senão para quê tanta matéria inerte? Parece não ter nenhum propósito do ponto de vista da nossa inteligência. Um Deus entediado que, como um fazedor de coisas, não se cansa de as fazer sem fim também custa a acreditar dado que há um padrão nas coisas existentes, que se coaduna mais com leis de causa efeito produzidas pela própria natureza da matéria, sem excluir o acaso. A evidência deste Universo que conhecemos não se coaduna com a ideia de um Cosmos, bem organizado e com propósito, nem com a ideia de um Deus teísta o que excluíria todos os argumentos para provar a existência do Deus teísta.