“Se a inteligência nos é comum, também a razão, de acordo com a qual somos racionais, nos é comum. Se assim é, a razão que ordena o que devemos ou não fazer também nos é comum. Se assim é, também a lei nos é comum. Se assim é, somos cidadãos. Se assim é, pertencemos a uma mesma comunidade cívica. Se assim é, o cosmos é como uma cidade. Pois a que outra comunidade cívica comum alguém poderá dizer que toda a espécie humana pertence? É daqui, desta cidade comum, que provém a nossa própria inteligência, bem como a nossa razão e lei. Ou de onde provém então? Pois, assim como a parcela de terra que há em mim me foi atribuída a partir de alguma terra, e a água a partir de outro elemento, e o ar a partir de alguma fonte específica (pois nada vem do nada, tal como nada volta para o que não existe), assim também a nossa inteligência vem de algum lugar.”
Marco Aurélio, Meditações, Lx, 2023, Penguin Randon House, p. 41
Tradução: Rui Carlos Fonseca
Comentário: O texto é belíssimo, relaciona necessariamente a cidade e o cosmos, as leis civis e as leis naturais, a natureza, a moral e a política, algo que depois do renascimento foi definitivamente separado, a razão e a inteligência são comuns no sentido cartesiano, de todos os homens as possuírem, nesse aspecto o que é comum é termos ou comungarmos de uma mesma natureza a questão é a de que a unidade da natureza está perdida uma vez que a humanidade se afastou dessa comunhão essencial reinvindicando uma natureza humana que não está na mesma ordem da natureza natural, essa separação faz sucumbir este vislumbre unitário de Marco Aurélio.
Helena Serrão
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