As três destruições da Biblioteca de
Alexandria podem parecer confortavelmente antigas, mas, infelizmente, a aversão
aos livros é uma tradição firmemente enraizada na nossa História. A devastação
nunca deixa de ser uma tendência. Como dizia uma vinheta de El Roto: “As
civilizações envelhecem, as barbáries renovam-se.”
Na verdade, o século XX foi um século
de aterrorizante bibliocastia ( as bibliotecas bombardeadas nas duas guerras
mundiais, as fogueiras nazis, , os regimes censores, a revolução Cultural Chinesa,
as purgas soviéticas, a Caça às Bruxas…) E o século XXI começou com a pilhagem
consentida pelas tropas americanas, a museus e bibliotecas no Iraque, onde a
escrita caligrafou o mundo pela primeira vez.
(…) O escritor bósnio Ivan Lovrenovic
contou que, na longa noite de verão, Sarajevo brilhou com o fogo que brotava de Vijecnica, o
imponente edifício da Biblioteca nacional ao pé do rio Miljacka. Primeiro,
vinte e cinco obuses incendiários atingiram o telhado, apesar das instalações
estarem marcadas com bandeiras azuis para indicarem a sua condição de
património cultural. Quando o resplendor – diz Ivan – alcançou proporções neronianas,
começou um constante bombardeamento maníaco para impedir o acesso à Vijecnica.
Desde as colinas que contemplavam a cidade, os atiradores furtivos disparavam
contra os habitantes de Sarajevo, magros e esgotados, que saíam dos seus
refúgios para tentarem salvar os livros. A intensidade dos ataques não permitiu
a aproximação dos bombeiros. Por fim, as colunas mouriscas do edifício cederam,
e as janelas explodiram para deixarem sair as chamas. Ao amanhecer tinham
ardido centenas de milhares de volumes – livros raros, documentos da cidade,
coleções inteiras de publicações, manuscritos, edições únicas. “Aqui não resta
nada”, disse Vkekoslav, um bibliotecário.
Irene Vallejo, O infinito num junco, Lisboa,
Bertrand, 2021, p.234,236
"Fahrenheit
451" temperatura a que ardem os livros, de Ray Bradbury. A realidade já ultrapassou, a ficção.
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