sexta-feira, junho 22, 2007

O anel de Giges

Nana Sousa Dias

" Querias roubar aquele disco ou aquela peça de roupa numa loja...mas há um vigilante que te observa, ou um sistema de vigilância electrónica, ou tens simplesmente medo de ser apanhado, de ser punido, de ser condenado...Não é honestidade; é calculismo. Não é moral, é precaução. O medo da autoridade é o contrário da virtude, ou é apenas a virtude da prudência.
Imagina, pelo contrário, que tens esse anel de que fala Platão, o famoso anel de Giges, que te torna invisível quando queres...É um anel mágico que um pastor encontrou por acaso. Basta rodar o anel e rodar o engaste para o lado da palma da mão para a pessoa se tornar invisível, e rodá-lo para o outro lado para voltar a ficar visível...Giges, que era um homem honesto, não soube resistir às tentações a que este anel o submetia; aproveitou os seus poderes mágicos para entrar no Palácio, seduzir a raínha, assassinar o rei, tomar o poder e exercê-lo em seu exclusivo benefício... (...) Possuíssem um e outro o anel de Giges e nada os distinguiria: 'tenderiam ambos para o mesmo fim'. Isto é sugerir que a moral não é senão uma ilusão, um engano, um medo disfarçado de virtude."
Comte-Sponville, Apresentações de Filosofia
Tradução de Helena Serrão

terça-feira, junho 19, 2007

O que é Arte?

Claes Oldenburg, 1929 , Estocolmo, Nac. USA



1. Deram-se algumas tintas e papel à Betsy, uma chimpanzé do Jardim Zoológico de Baltimore, com os quais ela criou vários produtos alguns dos quais podem chamar-se pinturas. Ainda que os trabalhos de Betsy não sejam obras-primas, são inegavelmente interessantes e, à sua maneira, apelativos. Foram expostos no Field Museum of Natural History em Chicago algumas peças seleccionadas do trabalho de Betsy. Suponha que, no mês seguinte, aquelas mesmas peças são exibidas no Chicago Art Institute, e que nas duas exposições os trabalhos de Betsy foram muito admirados pelos visitantes.
É arte o trabalho de Betsy? Será só arte em certas condições de exposição (por exemplo, no museu de arte, mas não no museu de história natural)? Se é arte (pelo menos algumas vezes) de quem é?
Quando se procura decidir se uma peça é uma obra de arte, que tipo de considerações devemos ter presentes? Será importante que o criador seja humano? Será importante se o seu criador pretenda que seja recebida ou compreendida como arte? Será importante que o objecto em questão seja, segundo o nosso juízo ou o de outros, um objecto excelente do seu tipo? Será importante onde, quando e por quem seja visto, se o for por alguém? Se, por acaso, a Betsy criar uma composição que não se distinga de uma obra universalmente aceite como uma obra de arte, transformará isso o seu trabalho numa obra de arte? Que diferença fará se determinarmos que a composição de Betsy ou quaisquer outras coisas sejam obras de arte? Que alterações, se as houver, são necessárias no modo como tratamos e pensamos tais objectos quando fazemos esta determinação?
2. Em 1967, a Galeria de arte de Ontário pagou 10.000 dólares por um trabalho de Claes Oldenburg chamado O Hamburguer Gigante (1967): um hamburguer completo com pickles em cima, feito em tela de vela e preenchido com espuma de borracha, com cerca de 1,32 m de altura e 2,13 m de comprimento. Um grupo de estudantes de arte fabricou em cartão uma garrafa de Ketchup à mesma escala, e conseguiram pô-la ao lado do hamburger, o que fez as delícias da imprensa e aborreceu a direcção do museu. O hamburger continua na colecção do museu mas a garrafa nunca mais foi vista.
Este incidente aconteceu realmente. Como podemos avaliá-lo? Deve ser visto como um gesto de desrespeito a um artista eminente e a uma instituição digna, uma demonstração de falta de maneiras? Ou devemos olhá-lo unicamente como um comentário satírico da facilidade e superficialidade da arte "pop", a arte da altura (como a arte "pop" era um comentário à arte "séria" da altura)? Era uma graça sem importância, deixando as coisas como estavam, sem qualquer dano estético? Ou houve um dano estético ou outro, pelo facto ser embaraçoso? Não passou de um grande erro? Será que os estudantes não compreenderam o objectivo do trabalho de Oldenburg e por isso estabeleceram a relação entre a garrafa de cartão e o trabalho cómico de Oldenburg tornando-o esteticamente sem interesse? Mais precisamente, poderíamos dizer que os estudantes criaram uma nova obra de arte própria, incorporando nela o trabalho de Oldenburg como parte?

Margaret P. Battin.
Tradução de Luís Nunes
Texto extraído de Margaret P. Battin, John Fisher, et al.: Puzzles About Art: An Aesthetics Casebook (St. Martin's Press, 1989), pp. 1-3.

segunda-feira, junho 18, 2007

O EXAME DE FILOSOFIA:

- Demasiado direccionado para uma forma de colocar os problemas. Para uma certa forma de entender o ensino da Filosofia que nem todos os professores seguem, logo os alunos desses professores podem ficar prejudicados.
- Demasiada ênfase na lógica em detrimento da Filosofia do conhecimento. Contra a própria orientação do programa.

- Coloca argumentos que podem ser convertidos em silogismos numa área geral quando esta matéria é opcional.

Veja-se o exercício 5 do grupo 1
Os filósofos querem saber se o conhecimento é possível, porque procuram o conhecimento e quem procura o conhecimento quer saber se o conhecimento é possível.

Poderia ser convertido à forma padrão de um silogismo categórico:

Todos os que procuram o conhecimento querem saber se ele é possível
Todos os filósofos procuram o conhecimento.
Logo, todos os filósofos querem saber se o conhecimento é possível.


e a resposta certa seria a D, é válido porque a conclusão é consequência das premissas.

O aluno teria de dominar a forma padrão do silogismo
e as regras da sua validade.
Esta matéria é opcional
A questão é de resposta obrigatória.

Para não falar na forma como o argumento aparece, forma que se presta a grandes confusões porque parece uma falácia de petição de princípio
porque se alguém procura o conhecimento parte do princípio que ele é possível.Ou não?

Disparates do exame: Como se resolve o problema 5?

Os filósofos querem saber se o conhecimento é possível, porque procuram o conhecimento e quem procura o conhecimento quer saber se o conhecimento é possível.



1º Poderíamos reduzir este ar

quarta-feira, junho 13, 2007

Arte como forma significante


O ponto de partida para todos os sistemas da estética tem de ser a experiência pessoal de uma emoção peculiar. Aos objectos que provocam tal emoção chamamos obras de arte. Qualquer pessoa sensível concorda que há uma emoção peculiar provocada pelas obras de arte. Não quero dizer, claro, que todas as obras de arte provocam a mesma emoção. Pelo contrário, cada obra de arte produz uma diferente emoção. Mas todas essas emoções são reconhecivelmente do mesmo tipo; de qualquer maneira, esta é, até agora, a melhor opinião. Que existe um tipo particular de emoção provocado por obras de arte visual e que essa emoção é provocada por todos os tipos de arte visual, por pinturas, esculturas, edifícios, peças de cerâmica, gravuras, têxteis, etc., etc., não é disputado, penso eu, por ninguém capaz de a sentir. Esta emoção é chamada emoção estética, e se pudermos descobrir alguma qualidade comum e peculiar a todos os objectos que a provocam, teremos resolvido o que considero ser o problema central da estética. Teremos descoberto a qualidade essencial numa obra de arte, a qualidade que distingue as obras de arte de outras classes de objectos.



Pois, ou todas as obras de arte visual têm alguma qualidade comum, ou quando falamos de "obras de arte" estamos a desconversar. Cada pessoa fala de "arte", fazendo uma classificação mental pela qual distingue a classe das "obras de arte" de todas as outras classes. Qual é a justificação para essa classificação? Qual é a qualidade comum e peculiar a todos os membros dessa classe? Seja ela qual for, não há dúvida que se encontra muitas vezes acompanhada por outras qualidades; mas estas são casuais — aquela é essencial. Tem de haver uma qualquer qualidade sem a qual uma obra de arte não existe; na posse da qual nenhuma obra é, no mínimo, destituída de valor. Que qualidade é essa? Que qualidade é partilhada por todos os objectos que provocam as nossas emoções estéticas? Que qualidade é comum à Santa Sofia e às janelas de Chartres, à escultura mexicana, a uma tijela persa, aos tapetes chineses, aos frescos de Giotto em Pádua, e às obras-primas de Poussin, Piero della Francesca e Cézanne? Só uma resposta parece possível — forma significante. Em cada uma, linhas e cores combinadas de uma maneira particular, certas formas e relações de formas, estimulam as nossas emoções estéticas. Estas relações e combinações de linhas e cores, estas formas esteticamente tocantes, chamo-as "Forma Significante"; e a "Forma Significante" é a tal qualidade comum a todas as obras de arte visual.

A hipótese segundo a qual a forma significante é a qualidade essencial de uma obra de arte tem ao menos o mérito negado a muitas outras mais famosas e impressivas — ajuda a explicar as coisas. Todos nós conhecemos quadros que nos interessam e despertam a nossa admiração, mas não nos tocam como obras de arte. A esta classe pertence aquilo a que chamo "Pintura Descritiva" — isto é, pintura em que as formas não são usadas como objectos de emoção, mas como meios de sugerir emoção ou veicular informação. Retratos de valor psicológico ou histórico, obras topográficas, quadros que contam histórias e sugerem situações, ilustrações de todos os tipos, pertencem a esta classe. Que todos nós reconhecemos a distinção é evidente, pois quem não disse já que tal e tal desenho era excelente como ilustração, mas sem valor como obra de arte? Claro que muitos quadros descritivos possuem, entre outras qualidades, significado formal, e são assim obras de arte: mas muitos outros não. Eles interessam-nos; podem tocar-nos também de uma centena de maneiras diferentes, mas não nos tocam esteticamente. De acordo com a minha hipótese não são obras de arte. Deixam intocadas as nossas emoções estéticas porque não são as suas formas mas as ideias ou informação sugeridas ou veiculadas pelas suas formas a afectar-nos. [...]
Que ninguém pense que a representação é má em si; uma forma realista pode ser tão significante, enquanto parte do desenho, como uma forma abstracta. Mas se uma forma representativa tem valor, é como forma, não como representação. O elemento representativo numa obra de arte pode ou não ser prejudicial; é sempre irrelevante. Pois, para apreciar uma obra de arte não precisamos de nos fazer acompanhar de nada da nossa vida, nem de nenhum conhecimento das suas ideias e ocupações, nem de qualquer familiaridade com as suas emoções. A arte transporta-nos do mundo da actividade humana para o mundo da exaltação estética. Por um momento somos afastados dos interesses humanos; as nossas previsões e recordações são aprisionadas; somos elevados acima da corrente da vida.


Quadros:
1º: Artemisia Gentileschi, (1593/1652), Judith,Roma
2º Paul Cezanne, (1893/1906) Cortine, cruchon et compotier
3º :Giotto, 1266/1337, Lamentação, Fresco da capela degli Strovegni, Pádua


Clive Bell "The Aesthetic Hypothesis", in Charles Harrison & Paul Wood, Art in Theory, 1900-1990, Blackwell, Oxford, 2000, pp. 113-115
TRadução de Aires de Almeida



segunda-feira, junho 11, 2007

Fé e Conhecimento.

"A Fé é diferente do conhecimento. Giordano Bruno acreditava e Galileu sabia. Exteriormente estavam ambos na mesma situação. O tribunal da Inquisição exigia, sob pena de morte, tanto a um como a outro que se retratassem. Giordano Bruno estava pronto a retratar certas proposições, mas não as que julgava essenciais; teve a morte dos mártires. Galileu retratou a doutrina do movimento da terra à volta do Sol, mas conta-se a sua exclamação significativa: "E no entanto ela move-se". É precisamente aí que reside a diferença: há uma verdade que sofre por ser retratada e há outra que nenhuma retratação consegue abalar. Os dois acusados agiram de acordo com o que consideravam ser a sua verdade. O que é para mim vital só existe quando me identifico com ele.É histórico quanto à sua aparição, não tem valor universal quanto à sua expressão objectiva, mas é absoluto.
A verdade que posso demonstrar subsiste sem mim: é universalmente válida, não histórica, independente do tempo, mas não é absoluta, visto que se subordina a hipóteses, aos métodos de conhecimento na relatividade do finito. Seria desproporcionado querer morrer por ela. Mas em compensação, para o pensador que acredita ter alcançado o fundo das coisas e não pode mais retratar as suas declarações sem atentar contra a própria verdade, o debate trava-se no segredo da sua consciência. "

Karl Jaspers, La foi philosophique

segunda-feira, junho 04, 2007

A evolução da Ciência : a proposta de Popper entendida por Alexandre Marques

O progresso da ciência, tal como o vê o falsificacionista, poderá resumir-se da seguinte forma. A ciência começa com problemas, problemas que estão associados à explicação do comportamento de alguns aspectos do mundo. O cientista propõe hipóteses falsificáveis para solucionar os problemas. As hipóteses são criticadas e comprovadas. Algumas são eliminadas rapidamente, outras podem ter mais êxito. Estas devem submeter-se a críticas e provas mais rigorosas. Quando finalmente se falsifica uma hipótese que tenha superado com sucesso uma grande variedade de testes, surge um novo problema, que é a invenção de novas hipóteses, seguidas de novas críticas e provas. Este processo continua indefinidamente. Por isso nunca se pode afirmar que uma teoria é verdadeira, por muitas provas rigorosas que tenha superado, somente podemos afirmar que a teoria em vigor é superior às suas predecessoras, no sentido de que foi capaz de superar testes que falsificaram as teorias anteriores. No dizer de Popper "(...) só há um caminho para a ciência: encontrar um problema, ver a sua beleza e apaixonar-se por ele; casar e viver feliz com ele até que a morte nos separe – a não ser que obtenhamos uma solução. Mas, mesmo que obtenhamos uma solução, poderemos então descobrir, para nosso deleite, a existência de toda uma família de problemas-filhos, encantadores ainda que talvez difíceis, para cujo bem-estar poderemos trabalhar, com um sentido, até ao fim dos nossos dias".1 A afirmação de que a origem da ciência está nos problemas é perfeitamente compatível com a prioridade das teorias sobre a observação e os enunciados observáveis. A ciência não começa com a pura observação. A concepção falsificacionista, proporciona uma imagem dinâmica da ciência. O progresso da ciência, exige que as teorias sejam cada vez mais falsificáveis e em consequência tenham cada vez mais informação, exclui no entanto, que se efectuem modificações nas teorias destinadas simplesmente a protegê-las da falsificação ou de uma falsificação ameaçadora. Essas modificações, tal como a adição de mais um postulado sem consequências que não tenham sido já comprovadas, são denominadas de modificações ad hoc. As modificações ad hoc são rejeitadas pelo falsificacionista, no entanto, existe outro tipo de modificações não ad hoc, aceites pelo falsificacionista. Centramos a nossa atenção na seguinte proposição: "O pão alimenta". No entanto, em França, numa determinada região, o trigo que crescia de maneira normal foi convertido em pão normal e a maioria das pessoas que comeu esse pão ficou gravemente doente. A teoria de que "todo o pão alimenta" foi falsificada. Podemos modificar a teoria para evitar a sua falsificação: "Todo o pão alimenta, excepto, aquele que é produzido numa determinada zona de França". Esta é uma modificação ad hoc. A teoria modificada não pode ser comprovada de maneira que não o seja também a teoria original. A hipótese modificada é menos falsificável que a versão original. O falsificacionista rejeita essas acções de retaguarda. Como modificar a teoria de uma maneira aceitável? Da seguinte forma: "Todo o pão alimenta, excepto aquele, cujo trigo é contaminado por um determinado tipo de parasita". Esta teoria modificada, não é ad hoc porque leva a novas comprovações. No dizer de Popper, é contrastável de forma independente.
1. Karl Popper, O Futuro está aberto

Alexandre Marques, A doutrina do falseamento de Karl Popper