" Não ouviram falar daquele homem em fúria que, numa manhã clara, acendeu uma lanterna, correu pela praça pública e gritou incessantemente: "Procuro Deus! Procuro Deus!" - Como justamente aí se encontravam muitos daqueles que não acreditavam em Deus, provocou uma grande hilariedade. " Então ele extraviou-se?", disse um "Perdeu-se como uma criança?" disse outro. " Ou está ele escondido? Tem medo de nós? Emigrou?", assim gritavam e riam em confusão.
O homem em fúria saltou para o meio deles e trespassou-os com o olhar. "Para onde foi Deus", gritou, "eu vou dizer-vos! Nós matámo-lo -vós e eu! Nós todos somos os seus assassinos! Mas como fizemos nós isto? Como pudemos nós tragar o mar inteiro? Quem nos deu a esponja para apagar todo o horizonte? Que fizemos quando desligámos esta terra do seu sol? Para onde se move ela agora? Para onde nos movemos nós? Para longe de todos os sóis? Não continuamos sempre a cair? (...)Há ainda um em cima e um em baixo?Não erramos como através de um nada infinito? (...)Ainda não ouviram nada do ruído dos coveiros que sepultam Deus? Não cheiramos ainda nada da decomposição divina? - Também os deuses entram em decomposição! Deus morreu! Deus permanece morto! E nós matámo-lo! Como nos consolaremos nós os assassinos de todos os assassinos? Aquilo que o mundo possuiu até agora de mais poderoso sangrou sob as nossas facas - quem limpará de nós este sangue? "(...)
Aqui o homem em fúria calou-se e olhou de novo para os seus auditores: também eles se calaram e encaram-no com estranheza. Por fim, lançou a lanterna ao chão, que saltou em pedaços e se apagou. " Venho demasiado cedo" disse então " não estou ainda na altura. Este acontecimento tremendo está ainda a caminho - não atingiu ainda os ouvidos dos homens."
Friedrich Nietzsche, A Gaia Ciência, 125, Werke Ed.
Tradução de Manuel do Carmo Ferreira
Sem comentários:
Enviar um comentário