" Não há verdades, disse Nietzsche, só interpretações. A Lógica vocifera contra esta observação. Porque é verdadeira? Bem, só se não existirem verdades. Por outras palavras, só se não for verdade. Nietzsche é muito venerado pela sua epistemologia "iconoclasta", e citado como uma autoridade por modernistas, estruturalistas, pós-modernistas, pós-estruturalistas, pós-pós-modernistas...de facto, por quase toda a gente sem paciência para a ideia de autoridade. É certo que Nietzsche era um génio, um grande escritor, e um dos poucos que espreitaram para dentro do abismo e registaram, no breve momento de sanidade que então resta, aquilo com que ele se parecia. Devíamos estar-lhe gratos, pois os verdadeiros avisos são raros.Mas também devemos estar avisados. Não desçam este caminho, dizem-nos os seus escritos, porque por aqui jaz a loucura.
Todo o discurso e diálogo dependem do conceito de verdade. Concordar com outro é aceitar a verdade daquilo que ele diz; discordar é rejeitá-la. No discurso comum aspiramos à verdade, e é só no pressuposto desta aspiração que as pessoas fazem sentido. Imaginem tentar aprender francês numa sociedade de franceses monolingues, sem pressuporem que, em geral, eles aspiram a falar sinceramente. É claro que nem tudo o que dizemos é verdadeiro: por vezes enganamo-nos, por vezes dizemos mentiras ou meias verdades. Mas sem o conceito de verdade, e a sua supremacia constante no nosso discurso, não podíamos dizer mentiras; nem podíamos ter o conceito de engano."
Roger Scruton, Guia de Filosofia para pessoas inteligentes, Editora Guerra e Paz, 2007, Lx
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