Algumas pessoas pensam que a moral está ultrapassada, nos dias que correm. Encaram a moral como um sistema de proibições puritanas descabidas que se destinam sobretudo a evitar que as pessoas se divirtam. Os moralistas tradicionais pretendem ser os defensores da moral em geral, mas o que defendem na realidade é um determinado código moral. Apropriaram-se desta área a tal ponto que, quando uma manchete de jornal insere o título «bispo ataca a decadência dos padrões morais», pensamos logo que se trata de mais um texto sobre promiscuidade, homossexualidade, pornografia, etc., e não sobre as verbas insignificantes que concedemos para a ajuda internacional às nações mais pobres, nem sobre a nossa indiferença irresponsável para com o meio ambiente do nosso planeta.
Portanto, a primeira coisa a dizer da ética é que não se trata de um conjunto de proibições particularmente respeitantes ao sexo. Mesmo na época da SIDA, o sexo não levanta nenhuma questão ética específica. As decisões sobre o sexo podem envolver considerações sobre a honestidade, o respeito pelos outros, a prudência, etc., mas não há nisso nada de especial em relação ao sexo, pois o mesmo se poderia dizer de decisões respeitantes à condução de um automóvel. (Na realidade, as questões morais que a condução de um automóvel levanta, tanto do ponto de vista ambiental como do da segurança, são muito mais sérias do que as suscitadas pelo sexo.) Assim sendo, este livro não aborda a moral sexual. Há questões éticas bem mais importantes.
Em segundo lugar, a ética não é um sistema ideal, nobre na teoria, mas inútil na prática. O inverso está mais perto da verdade: um juízo ético que seja mau na prática sofre necessariamente de um defeito teórico, porque a finalidade do juízo ético é orientar a prática.
Algumas pessoas pensam que a ética é inaplicável ao mundo real, por a encararem como um sistema de regras curtas e simples do tipo «não mintas», «não roubes» ou «não mates». Não admira que quem adopta esta visão da ética pense que esta não se adapta às complexidades da vida. Em situações invulgares, as regras simples entram em conflito; e, mesmo quando isso não acontece, seguir uma regra pode levar ao desastre. Em circunstâncias normais pode ser um mal mentir, mas no caso de uma pessoa que vivesse na Alemanha nazi e a quem a Gestapo batesse à porta à procura de judeus, por certo seria correcto negar a existência de uma família judia escondida nas águas-furtadas.
Tal como o fracasso da moral sexual restritiva, o fracasso da ética baseada em regras simples não deve ser encarada como o fracasso da ética no seu todo. Não passa do fracasso de uma perspectiva da ética e nem sequer é irremediável. (...)
Em terceiro lugar, a ética não é algo que apenas se torne inteligível no contexto da religião.
Tratarei a ética como algo totalmente independente da religião.
Alguns teístas dizem que a ética não faz sentido sem a religião, porque o próprio significado de «bem» é «aquilo que Deus aprova». Platão refutou uma tese semelhante há mais de 2000 anos, argumentando que se os deuses aprovam uma acção, é porque essa acção é um bem; não pode ser a aprovação dos deuses que a torna um bem. (...)
Tradicionalmente, a ligação mais importante entre religião e ética baseava-se na ideia de que a religião proporcionava uma razão para praticar o bem. A razão apresentada era a de que os virtuosos seriam recompensados com a bem-aventurança eterna, enquanto os outros arderiam nas chamas do Inferno. Nem todos os pensadores religiosos aceitaram este argumento: Emmanuel Kant, que era um cristão devoto, rejeitava tudo o que parecesse uma obediência às leis morais motivada pelo interesse pessoal. Devemos obedecer-lhes, dizia, pelos seus méritos próprios. Mas não precisamos de ser kantianos para rejeitar as motivações oferecidas pela religião tradicional. Há uma longa tradição de pensamento, que encontra a origem da ética nas atitudes de benevolência e solidariedade para com os outros, que a maioria das pessoas possui. (...)
Portanto, a primeira coisa a dizer da ética é que não se trata de um conjunto de proibições particularmente respeitantes ao sexo. Mesmo na época da SIDA, o sexo não levanta nenhuma questão ética específica. As decisões sobre o sexo podem envolver considerações sobre a honestidade, o respeito pelos outros, a prudência, etc., mas não há nisso nada de especial em relação ao sexo, pois o mesmo se poderia dizer de decisões respeitantes à condução de um automóvel. (Na realidade, as questões morais que a condução de um automóvel levanta, tanto do ponto de vista ambiental como do da segurança, são muito mais sérias do que as suscitadas pelo sexo.) Assim sendo, este livro não aborda a moral sexual. Há questões éticas bem mais importantes.
Em segundo lugar, a ética não é um sistema ideal, nobre na teoria, mas inútil na prática. O inverso está mais perto da verdade: um juízo ético que seja mau na prática sofre necessariamente de um defeito teórico, porque a finalidade do juízo ético é orientar a prática.
Algumas pessoas pensam que a ética é inaplicável ao mundo real, por a encararem como um sistema de regras curtas e simples do tipo «não mintas», «não roubes» ou «não mates». Não admira que quem adopta esta visão da ética pense que esta não se adapta às complexidades da vida. Em situações invulgares, as regras simples entram em conflito; e, mesmo quando isso não acontece, seguir uma regra pode levar ao desastre. Em circunstâncias normais pode ser um mal mentir, mas no caso de uma pessoa que vivesse na Alemanha nazi e a quem a Gestapo batesse à porta à procura de judeus, por certo seria correcto negar a existência de uma família judia escondida nas águas-furtadas.
Tal como o fracasso da moral sexual restritiva, o fracasso da ética baseada em regras simples não deve ser encarada como o fracasso da ética no seu todo. Não passa do fracasso de uma perspectiva da ética e nem sequer é irremediável. (...)
Em terceiro lugar, a ética não é algo que apenas se torne inteligível no contexto da religião.
Tratarei a ética como algo totalmente independente da religião.
Alguns teístas dizem que a ética não faz sentido sem a religião, porque o próprio significado de «bem» é «aquilo que Deus aprova». Platão refutou uma tese semelhante há mais de 2000 anos, argumentando que se os deuses aprovam uma acção, é porque essa acção é um bem; não pode ser a aprovação dos deuses que a torna um bem. (...)
Tradicionalmente, a ligação mais importante entre religião e ética baseava-se na ideia de que a religião proporcionava uma razão para praticar o bem. A razão apresentada era a de que os virtuosos seriam recompensados com a bem-aventurança eterna, enquanto os outros arderiam nas chamas do Inferno. Nem todos os pensadores religiosos aceitaram este argumento: Emmanuel Kant, que era um cristão devoto, rejeitava tudo o que parecesse uma obediência às leis morais motivada pelo interesse pessoal. Devemos obedecer-lhes, dizia, pelos seus méritos próprios. Mas não precisamos de ser kantianos para rejeitar as motivações oferecidas pela religião tradicional. Há uma longa tradição de pensamento, que encontra a origem da ética nas atitudes de benevolência e solidariedade para com os outros, que a maioria das pessoas possui. (...)
Peter Singer, Ética Prática, Lisboa, Ed. Gradiva, pp. 18-20.
Manifestação em Santiago de Compostela contra as condições de trabalho das mulheres nas fábricas da Zara, e do império Inditex. (Associação galega: Mulheres transgredindo)
1 comentário:
nao entendi nad pn
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