Tudo o que portanto é empírico é, como acrescento ao princípio da moralidade, não só empirico mas altamente prejudicial à própria pureza dos costumes; pois o que constitui o valor particular de uma vontade absolutamente boa, valor superior a todo o preço, é que o princípio da acção seja livre de todas as influências de motivos contingentes que só a experiência pode fornecer. Todas as prevenções serão poucas contra este desleixo ou mesmo esta vil maneira de pensar, que leva a buscar o princípio da conduta em motivos e leis empíricas; pois a razão humana é propensa a descansar das suas fadigas neste travesseiro e, no sonho de doces ilusões ( que lhe fazem abraçar uma nuvem em vez de Juno), a pôr em lugar do filho legítimo da moralidade um bastardo composto de membros da mais variada proveniência que se parece com tudo o que nele se queira ver, só não se parece com a virtude aos olhos de quem um dia a tenha vistona sua verdadeira figura(Nota 1).
A questão que se põe é portanto esta:- É ou não é uma lei necessária para todos os seres racionais a de julgar sempre as suas acções por máximas tais que eles possam querer que devam servir de leis universais? Se essa lei existe, então ela tem de estar ligada (totalmente a priori) ao conceito de vontade de um ser racional em geral.(...)
Numa filosofia prática, em que não temos de determinar os princípios do que acontece mas sim as leis do que deve acontecer, mesmo que nunca aconteça, quer dizer leis objectivas-práticas; numa tal filosofia, digo, não temos necessidade de encetar investigações sobre as razões por que qualquer coisa agrada ou desagrada, por que, por exemplo, o prazer da simples sensação se distingue do gosto, e se este se distingue de um prazer universal da razão; não precisamos de investigar sobre que assenta o sentimento do prazer e do desprazer, e como daqui resultam desejos e tendências, e como destas por sua vez, com o concurso da razão, resultam as máximas;(...)
Aqui trata-se, porém, da lei objectiva-prática, isto é, da relação de uma vontade consigo mesma enquanto essa vontade se determina só pela razão, pois então tudo o que se relaciona com o empírico desaparece por si, porque, se a razão por si só determina o procedimento (é essa possibilidade que vamos agora investigar), terá de fazê-lo necessariamente a priori.
Nota 1: Ver a virtude na sua verdadeira figura não é mais do que representar a moralidade despida de toda a mescla de elementos sensíveis// e de todos os falsos adornos da recompensa e do amor de si mesmo. Como ela então deixa na sombra tudo o que às inclinações parece tão encantador, eis o que cada qual pode facilmente ver pelo menor esforço da sua razão, se esta não estiver já de todo incapacitada para toda a abstracção. (Nota de Kant)
Immanuel Kant, Fundamentação da metafísica dos costumes, Edições 70,Lx, 1997
Tradução do Alemão de Paulo Quintela
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