É geralmente aceite que o realismo indirecto nos ameaça com o cepticismo acerca do mundo externo. Se tudo aquilo de que podemos ter consciência consiste apenas nas nossas próprias representações perceptivas, parece que nunca podemos dispor de razões para acreditar que existe um mundo de objectos físicos para além dessas representações. A perspectiva do realismo indirecto, dizem os seus críticos, isola-nos da realidade externa impedindo-nos aparentemente de com ela ter contacto. Essa perspectiva abre uma porta para o cepticismo, porta essa que nunca mais consegue fechar. Isto fornece uma boa razão para se tentar encontrar uma análise alternativa da percepção que não tenha estas implicações cépticas.
Mas pode ser que não haja uma análise alternativa. Pois, (…) é simplesmente falso implicar que a ameaça do cepticismo provém apenas do realismo indirecto. O que levanta o problema céptico é o facto de ser logicamente possível que as nossas experiências possam ser como são agora, como quando supomos que estamos a ler um livro, e, no entanto, não estarmos de todo realmente a fazê-lo, mas apenas a dormir, a alucinar ou a ser enganado por um espírito malevolo ou por cientistas loucos. E este facto mantém-se, independentemente de se saber qual é verdadeiro ou falso, se o realismo indirecto ou o realismo directo. Seja a nossa tomada de consciência dos objectos físicos tão directa quanto se queira: mantém-se aberta a questão de se saber se num determinado caso em que pensamos ter uma percepção verídica estamos realmente a tê-la ou se há justificação para pensar que assim é. (…) Portanto, a insinuação de que o realismo indirecto tem de ser rejeitado porque isso nos levaria ao problema céptico parece não nos levar longe. O problema do cepticismo permanece connosco, seja qual for a posição que tomemos. Não coloca mais problemas ao realista indirecto do que a qualquer outro.
Na verdade, pode até argumentar-se que, no que toca ao cepticismo, uma vantagem do realismo indirecto relativamente ao realismo directo é a de melhor explicar a razão de existir um problema céptico. Se nunca estamos directamente conscientes de mais nada senão das nossas próprias representações perceptivas, é perfeitamente compreensível que devem existir ocasiões em que nós pensamos que há objectos externos que correspondem a essas representações quando não as há.
Edward Feser, Philosophy of mind. A beginner’s guide. (Oxford, 2006). Trad. Carlos Marques.
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