terça-feira, outubro 07, 2008

Sobre a amizade

Michel de Montaigne, Périgoux, 1533/1592


... o que nós chamamos ordinariamente amigos e amizades, não são acomodações e familiaridades nascidas de uma ocasião qualquer ou da comodidade com a qual se entretêm nossas almas. Na amizade de que falo, as almas misturam-se e confundem-se uma na outra, de tão universal mistura, que apagam e já não encontram a costura que as juntou. Se me pressionassem para dizer porque o amaria, sinto que isso não se pode exprimir senão respondendo: "Porque estou nele; porque ele está em mim."


Há, por detrás do meu discurso e do que particularmente posso dizer, não sei que força inexplicável e fatal, mediatriz desta união. Não procuramos senão antes de nós, ser vós, e pelas relações que temos um ao outro, que faz na nossa afecção mais força do que a razão das relações, creio que por causa de qualquer ordem divina; nós abraçamo-nos pelos nomes. E no nosso primeiro encontro, que aconteceu, por acaso numa grande festa na comunidade da vila, encontramo-nos tão próximos, tão reconhecíveis, tão comprometidos entre nós, que nada nos é doravante, tão próximo um ao outro.




Montaigne, Essais, Livre I, Garnier-Flammarion, Paris, 1969


Tradução do Francês antigo de Helena Serrão

5 comentários:

Vítor João Oliveira disse...

Caros Colegas,

retribuo a visita e agradeço as vossas palavras. Acredito que se pelo menos metade dos professores de filosofia disponibilizassem um texto relevante, teríamos todos um conjunto de textos FILOSÓFICOS relevantes para trabalhar com os alunos.
Abraço.

Vítor João Oliveira

Helena Serrão disse...

esperamos que os professores de Filosofia aqui do burgo se dêem conta da oportunidade do seu comentário e contribuam para tornar estes espaços um centro de troca de informações. Abraço.

Anónimo disse...

Cara professora Helena Serrão

No texto, refere-se que na amizade as almas misturam-se de tal modo que apagam e já não encontram a costura que as juntou. Será que isto será mesmo verdade nos dias de hoje?
Em primeiro lugar , é de referir que a costura referida tem o seu começo condicionado por algo exterior, motivado pelo interesse e conivência que se estabelece entre ambas as partes. Sendo assim, esta costura mantêm-se sempre subentendida e escondida debaixo de uma amizade, sendo que quando o interesse já nao tem utilidade, a costura inicial fica controcida e danificada, pelo que a amizade deixa de exercer qualquer sentido.
Amizades verdadeiras existem sim quando a mesma se demonstra e manifesta em gestos diários, nos momentos certos . Mas será que isto acontece no mundo actual, em que o materialismo tem tomado conta das almas e do sistema nervoso humano? Por isto, não é errado pensar que nada é eterno, nem mesmo a amizade.
- " Descubram-na" !!

Beijinho

Gonçalo Pereira, 11ºA

Helena Serrão disse...

Caro Gonçalo: a amizade deve constituir-se ao arrepio da utilidade, tal como Aristóteles na Ética a Nicómaco afirma. Uma amizade que se estabelece por interesse é, como diz, circunstancial pois uma vez cessado o interesse cessa também a razão para manter a amizade, mas essa não é a verdadeira amizade. A verdadeira amizade é entre iguais e livres e não tem outro fim senão o bem de cada um, o bem que encontram em estar juntos. Difícil de encontrar mas não impossível, não lhe parece?
Obrigada pelo seu comentário

Euller disse...

Olá!!
estou fazendo uma pesquisa sobre um autor francês chamado Etienne de la Boétie, cujo o ensaio sobre a amizade foi a ele dedicado. Estou precisando deste texto completo, mas não estou conseguindo encontra-lo, por isso, peço-lhe um auxilio pra isto. Desde já, muito obrigado pela atenção.