terça-feira, novembro 11, 2008



A VISÃO CIENTÍFICA DO UNIVERSO
E O SENTIDO DA VIDA
Será útil fazer uma recapitulação (...) da familiar narrativa evolucionista moderna sobre a natureza e origem humanas, de modo a ver com mais clareza quais os seus elementos que supostamente ameaçam o quadro tradicional do sentido e valor [da vida] conferidos pela linguagem da religião. Grosseiramente a narrativa padrão reza assim:
Há cerca de 14 milhões de anos, teve início, por alguma razão, o cosmos - tudo o que existe, incluindo matéria, radiação, espaço e tempo -, explodindo a partir de uma pequena concentração de matéria-espaço-energia. Expandiu-se com grande rapidez. Mais tarde, os efeitos gravitacionais fizeram com que a matéria se concentrasse em massas de hidrogénio (galáxias, estrelas) e que o hidrogénio se começasse a fundir em hélio. Explosões causaram novos elementos mais pesados, que acabaram por constituir os planetas. Pelo menos num planeta, surgiu uma molécula auto-reprodutora. Os descendentes desta molécula evoluíram para organismos vivos que se diversificaram em todos os tipos de plantas, animais, micróbios, etc., tudo isto somente como resultado da selecção natural (um processo totalmente cego, operando através de mutações ao acaso em conjunto com a luta constante pela sobrevivência). Após milhões de anos uma dessas espécies torna-se inteligente. O ser humano é um produto dessas forças cegas. Quer os seus impulsos morais, quer os outros, mais selvagens, foram formados pelas pressões da sobrevivência da espécie. As narrativas religiosas sobre a nossa natureza e origens foram ultrapassadas por uma narrativa científica e as noções de criação divina são ressacas de mitos antropomórficos primitivos que procuram explicar a nossa origem na ausência de métodos científicos adequados. A ciência revela que a nossa natureza e existência são o resultado de processos inteiramente naturais que compreendemos e predizemos cada vez melhor. Estamos sós num universo material impessoal e completamente desprovido de qualquer propósito (embora outros seres inteligentes possam ter evoluído em outros planetas). Um dia, o nosso sistema solar deixará de poder ser habitado e a vida humana (ou seja o que for que evolua a partir dela) cessará, a não ser que continue noutras paragens. Seja como for, o universo inteiro chegará finalmente a um termo, pois a energia e o calor serão a pouco e pouco dispersados de acordo com as leis da entropia. Não há um significado 'último' para tudo isto, nem para nenhuma vida humana particular (na verdade, falar do sentido ou propósito do universo ou da vida humana é uma confusão filosófica). Ao pôr de parte a falsa demanda de um significado religioso, podemos, ainda assim, viver melhor ou pior, dependendo de como conseguimos aliviar o sofrimento (usando a ciência) e maximizar a oportunidade de actividades que dêem satisfação ou que sejam enriquecedoras para o maior número de pessoas.
John Cottingham, On the Meaning of Life (London & New York, 2003, pps. 41-43). Tradução Carlos Marques.

2 comentários:

MassaMansa disse...

A Evolução Humana não parou desde o aparecimento do "homo sapiens". Continuamos a evoluir. E as provas cientificas têm por base a descodificação do genoma humano que nos mostra que continuamos a evoluir enquanto espécie devido a um processo chamado "deriva genética" em conjugação com os "alleles", ou seja, variantes genéticas.

Alexandre Poço disse...

No texto, ocorrem várias referências ao fim, ao terminar de tudo. No meu entender, tudo o que nos rodeia sofre de uma "piada" natural, na medida em que sabemos que tudo terá um fim, não só nós, mas também os meios materiais, e por fim o que alberga tudo isto, a Terra. Outro facto que me levantou alguma curiosidade, foi o facto de se considerar apenas a espécie humana como sendo a que evoluiu até chegar a um ponto de inteligência especial! Não será abusivo considerar tal facto?

Cumprimentos