sábado, janeiro 17, 2009


CLEPTOMANÍACOS OU LADRÕES
DETERMINISMO E LIBERDADE: PROBLEMAS COM A TEORIA COMPATIBILISTA

Muitos filósofos da tradição empirista admitiram que o determinismo é um problema real e acreditam que o determinismo é verdadeiro, mas sustentam que este é compatível com a responsabilidade. Sustentam que se um agente é responsável, tem de ser livre, não da necessidade causal, mas de compulsão ou coacção. O exemplo paradigmático de falta de liberdade é estar na prisão. Um prisioneiro não pode ser objecto de reprovação por não visitar a sua tia doente, pois é constrangido a permanecer no cárcere. Só se eu for compelido a fazer algo, ou a não fazê-lo, é que fico isento de ter de dizer porque o fiz ou não. Visto que – seja o que for que dizem os psicólogos - é manifestamente verdade que não somos compelidos a fazer a maioria das coisas que fazemos, segue-se que somos responsáveis. Na verdade, independentemente da exegese específica que se possa oferecer, temos de ser responsáveis de modo geral pelas nossas acções, uma vez que usamos a palavra “responsável” e o seu uso determina o seu significado. Quaisquer que sejam os critérios que apliquemos para decidir se alguém é responsável ou não, esses critérios determinam o significado da palavra, e, portanto, fazem com que a palavra seja bem aplicada pelo menos em certos casos.

O argumento, tal como é apresentado, não é convincente. Não obstante ser certamente verdade que um homem não é livre se for constrangido ou compelido, não se segue de modo nenhum que ele não é livre apenas se for constrangido ou compelido. Para tornar isso plausível, teríamos de entender as palavras ‘constrangido’ e ‘compelido’ num sentido muito alargado. No sentido habitual das palavras, o cleptomaníaco não é constrangido ou compelido a roubar: ninguém move o seu corpo contra a sua vontade, ninguém lhe está a cravar uma faca ou o cano de uma pistola nas costas, ameaçando-o de morte se não fizer o que lhe é dito. Se dizemos, no entanto, que ele é constrangido a roubar por causa das suas neuroses ou traumas de infância, estamos a alargar o conceito e, neste sentido alargado, temos de admitir que, à luz de novas descobertas, todos os casos de tomadas de decisão humanas possam vir a ser casos de constrangimento ou coacção. Se o compatibilista se remete ao sentido estrito de ‘constrangido’ e ‘compelido’, há contra-exemplos à elucidação que propõe sobre o real significado da liberdade; se ele procura abarcar esses contra-exemplos, dizendo que nestes casos os agentes estão, vistas bem as coisas, a agir sob alguma compulsão ou coacção, então deixa de ter fundamentos para negar que possa vir a acontecer que todas as nossas acções sejam casos de compulsão ou coacção. Nem pode fundamentar um argumento geral sobre a circunstância de termos a palavra ‘responsável’ e de a sabermos usar. Não há argumentos válidos da linguagem para a realidade. Temos o conceito de ‘disco voador’, mas daí não se segue que existam discos voadores.

J. R. Lucas, Responsibility (Oxford, 1995, pp. 14, 15). Tradução de Carlos Marques. Título não está no original.

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