(...) esta epidemia não me ensina nada senão que preciso combatê-la ao vosso lado. Sei de ciência certa (Sim, Rieux, vocês vêem bem, eu sei tudo da vida) que cada um a traz em si, a peste, porque ninguém, ninguém no mundo, lhe é imune. É preciso uma vigilância constante para não ser obrigado, num minuto de distracção, a respirar na figura do outro e a pegar-lhe a infecção. O que é natural, é o micróbio. O resto, a saúde, a integridade, a pureza, se quiserem, é produto da vontade e de uma vontade que não deve imobilizar-se. O homem honesto, aquele que não infecta quase ninguém é o que tem menos distracções possíveis. E é necessária vontade e tensão para nunca se distrair! Sim, Rieux, é cansativo ser um pestilento.Mas ainda é mais cansativo não querer sê-lo. É por isso que estamos todos fatigados porque todos nós estamos hoje um pouco pestilentos. Mas é por isso que alguns, querendo deixar de o ser, experimentam um excesso de fadiga da qual nada os poderá libertar senão a morte.
Albert Camus, La Peste, Gallimard, 1979, Cher
Tradução de Helena Serrão