Em última instância, desde que criemos qualquer coisa, criamos desigualdade: se escrevo um livro terei um sucesso e um renome que o meu vizinho não tem porque ainda não escreveu um livro. Impossível terminar com as desigualdades (...) a nossa perturbação resulta de um exagero contemporâneo sobre o valor da igualdade. Ora Aristóteles - que em matéria moral nunca foi ultrapassado - demonstra na Ética a Nicómaco que se uma exigência (exigence) é forçada ao seu extremo, acaba por ter um efeito perverso. Isto é verdadeiro para qualquer valor: uma liberdade desmesurada acaba na tirania dos mais fortes. E, do mesmo modo, uma igualdade sem proporção provoca uma série de desigualdades.
Podemos observá-lo na Escola: em média há hoje menos crianças de operários nas grandes escolas do que havia nos anos cinquenta. Apesar da constante exigência de igualdade, houve uma regressão! Simplesmente porque hoje é considerado contra-produtivo, e enfim hipócrita, tratar de um modo igual uma criança da burguesia - que tem acesso aos bens culturais, a aulas particulares etc - e uma criança dos subúrbios. Ao tratar cada caso de forma diferente , reforçamos as desigualdades iniciais.
De outro modo, penso que a ideologia igualitária é tanto mais perniciosa quanto põe em perigo a nossa necessidade de democracia. Porque acredito que há, não apenas um desejo mas uma necessidade de igualdade. É uma necessidade ética: um pobre é igual a um rico em dignidade, um deficiente mental tem-na tanto como um não-deficiente . É preciso que voltemos a Aristóteles: encontrar "o justo meio" (ou a justa medida) entre a igualdade extrema e a extrema desigualdade. Porque esta igualdade preguiçosa que reina hoje sem excepção, não encoraja ninguém a ultrapassar-se a si próprio. A nossa civilização ao perder o sentido do alto e do baixo, está ameaçada por aquilo que, num livro precedente, chamei de "Barbaria interior".
Jean-François Mattéi, Como podemos ser não-igualitaristas? in Philosophie, Outubro 2009, pp 49, 50
Tradução do francês de Helena Serrão
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