Epicuro passou a vida inteira a dissecar o desejo, os seus ensaios continuam a ter uma grande relevância para a vida contemporânea. Ele realçou a distinção crítica entre necessidades e vontades enquanto insistia que faríamos melhor se reconhecêssemos a diferença entre as duas. Epicuro categorizava alguns desejos como naturais, outros como vãos. Por exemplo, é natural querer mover-se de um sítio para o outro. A prudência sugere que tentemos primeiro ir pelos nossos pés e pernas, talvez uma bicicleta, talvez um transporte público ou um carro da comunidade. A vaidade sugere um grande carro com todos os acessórios da moda e que se possa trocar por um novo modelo todos os anos. O desejo de amigos é natural, enquanto aproximar-se na esperança da amizade por uma “pessoa importante” é vão. Epicuro continua a sua cuidadosa dissecação. Entre os desejos naturais, alguns são essenciais enquanto outros são triviais. O desejo por comida é essencial. Podemos imaginar Epicuro num mercado agrícola, comprando o que se produz localmente enquanto encoraja os seus vizinhos a plantarem frutas e vegetais num espaço de terra comunitário. Os restos são bem vindos. Comer a batata e a maçã, com a pele e tudo. Em completo contraste, comprar comida feita, comer mais que o normal, ou fazer do caviar a base da dieta – todas estas práticas reduzem o desejo essencial de sobrevivência a uma trivialidade. Fazer compras numa “ Loja de Conveniência” de comida coloca o sentido de “ Conveniência” e de “Comida” em questão.
Poderemos aprender a discriminar entre desejos naturais e vãos. É simples, Epicuro conclui. “ A saúde exigida pela natureza é limitada e fácil de adquirir, a saúde exigida pela preguiça imagina-se alcançada no infinito. (Doutrinas Principais). Actualmente é fácil, não é?
Marietta Mc Carty, How philosophy can save your life, Penguin, New York, 2009, pp 7, 8
Tradução de Helena serrão
Imagem de um quadro de Severin Kroyer, Festa em Skagen, Noruega 1851/1909
3 comentários:
Esta questão dos desejos é pertinente. Mas sendo o Homem tendencialmente orientada para a criação de ambientes não naturais, como podemos hoje, num mundo cada vez mais artificial fazer esta distinção. Talvez seja da nossa natureza abandonar o natural, sendo que o nosso natural é o seu próprio oposto.
Micael Sousa: Obrigada pelo seu comentário, seja bem-vindo a este espaço! Os desejos naturais estão ligados às necessidades, procurar satisfazer as necessidades e não as vontades. Há necessidades aqui mencionadas que continuam a ser necessidades actualmente, como deslocar-se, ter amigos, comida. Hoje parecem-nos trivialidades, criámos muito mais necessidades e talvez descuremos a forma de obter e sobretudo a importância que continuam a ter. Obtê-las da forma natural e considerá-las como fins essenciais poderá proporcionar uma qualidade superior ao prazer obtido pela sua satisfação. O prazer assim obtido é superior ao que resulta da satisfação de vontades. Continua a ter pertinência esta dissecação dos desejos. Cumprimentos.
Isso se enquadraria também no desejo sexual, no sentido da infidelidade conjugal também?
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