Jaques Henri Lartigue, Jogo de Ténis, 1921, Paris
Percorro a sala dos olhos. Que farsa! Toda essa gente sentada com um ar sério; comem. Não, não comem: reparam forças para levar a bom termo a tarefa que lhes foi atribuída. Cada um deles tem o seu pequeno entretenimento pessoal que os impede de se aperceberem que existem; não há nem um que não se julgue indispensável a alguém ou a alguma coisa. Não era o Autodidacta que me dizia outro dia: “ Ninguém era mais qualificado que Nouçapié para empreender esta vasta síntese?" Cada um faz a sua pequena coisa e ninguém é mais qualificado do que ele para a fazer. Ninguém mais qualificado que o caixeiro viajante para usar a pasta Swan. Ninguém mais qualificado do que esse interessante rapaz, para espreitar por debaixo das saias da sua vizinha. E eu, eu estou entre eles, se repararem em mim pensarão que ninguém é mais qualificado que eu para fazer o que faço. Mas eu sei. Não tenho ar de nada, mas sei que existo e eles também existem. Se conhecesse a Arte de persuadir, iria sentar-me perto de um destes senhores de cabelos brancos e explicar-lhe-ia o que é a existência. Ao imaginar a cara que faria, desatei a rir. O Autodidacta olhava-me surpreendido. Gostaria de parar; mas não podia: ri até às lágrimas.
- Está muito feliz, senhor, disse-me o Autodidacta com ar circunspecto.
-É porque penso, disse-lhe a rir, que aqui estamos, iguais ao que somos, a comer e a beber para manter a nossa preciosa existência e, que não há nada, nada, nenhuma razão de existir.
Tradução Helena Serrão
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