segunda-feira, outubro 24, 2011

Verdade e linguagem


Mas o que são precisamente os factos? E como é que um facto difere de outro? Qual o facto que torna verdadeiro que o meu carro seja vermelho? Seguramente o facto de que o meu carro é vermelho. Há tantos factos como proposições verdadeiras, e vice-versa. Mas nesse caso qual a diferença entre eles? Porquê falar de verdades e de factos, quando uma e a mesma coisa  (...) é usada para identificar ambos? Porquê assumir que os factos existem, independentemente das verdades que os expressam?
Mas somos nós obrigados a identificar factos através de proposições? Será que não temos formas de unir as nossas palavras ao mundo, por exemplo, apontando para aquilo que queremos dizer? Será que não posso mostrar o que é que torna verdade que o meu carro seja vermelho, apontando para a cor vermelha do meu carro? Bem, sim; mas apontar é um gesto, e o seu significado tem que ser compreendido. Suponhamos que aponto o meu dedo ao carro. O que leva a supor que estou a apontar para o carro, em vez de estar a apontar para a casa atrás do meu ombro? No fim de contas, o meu gesto pode ser lido de outro modo, do dedo para trás do ombro. A resposta simples é a de que lemos o gesto do modo que lemos porque há uma regra ou convenção que nos guia. É assim que compreendemos. Além do mais, a convenção diz apenas que o gesto aponta para a coisa à minha frente; têm que ser invocadas outras convenções, para saber para que facto sobre a coisa estou a chamar a atenção. Apontar pertence à linguagem e apoia-se na linguagem para a sua precisão. Só quando somos capazes de ler um gesto como uma expressão de pensamento podemos usá-lo para ancorar as nossas palavras na realidade. Mas isso levanta a questão, que pensamento? Ora, o pensamento de que o meu carro é vermelho! De facto, nenhum outro pensamento serve: só este serve para transmitir o facto que temos em mente, quando está em causa referir o que torna verdade que o meu carro seja vermelho. estamos de novo no ponto de partida. Todas as tentativas para passar de um pensamento à realidade por ele descrita, andam em círculo. O caminho do pensamento à realidade conduz de facto do pensamento ao pensamento.

Roger Scruton, Guia de Filosofia para pessoas inteligentes, Gerra e Paz, 2011, Lx, p.31,32

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