Ao fim de largas horas de
indecisão optei por fazer greve. Estava, como sempre, dividida, e não estava
sozinha, havia muitos professores como eu, divididos. Ouvi depois o ministro
indiferente ao drama, sobranceiro, a convocar todos para vigiar os exames, como
se os professores fossem substituíveis até pelo merceeiro e percebi o desrespeito
pela classe e pelo diálogo, nesse momento houve valores antigos que se tornaram
importantes, a solidariedade de classe, a indignação por sermos colocados entre
a espada e a parede. Não nos restava nenhum outro modo de afirmar essa
indignação perante a política cega e imediatista que agrava o desemprego e
empobrece o ensino público. Ora, penso, o maior mal do nosso país é o
desemprego, a falta de trabalho. Muitos há que não fizeram greve por medo de o
perder, desses, muitos, têm mesmo o emprego ameaçado. O que se pretende afinal?
Se alargamos o horário de trabalho de alguns professores é óbvio que outros
ficarão sem trabalho, não é preciso ser muito perspicaz para retirar essa
conclusão. Quantos ordenados se economizam? Quantos subsídios de desemprego?
Quantas pessoas à toa? Poderia ser um assunto insignificante mas é todo o
assunto, uma política destas têm consequências, além do desemprego de muitos, temos
os outros, os que ficam a trabalhar em todo o tipo de tarefas para além de dar
aulas, substituições de professores que faltam, assessorias, tutorias,
apoios vários para suprir a falta de funcionários, trabalho administrativo para
poupar no pessoal de secretaria etc etc etc. Esse é o projecto, ser professor
será cada vez mais uma tarefa de funcionalismo. O professor do ensino público
será um funcionário, isto é, uma espécie polivalente capaz de manter a
instituição e os respectivos jovens ocupados em tarefas, atentos fiscais do seu
cumprimento mais do que do ensino e na avaliação reais, quando digo real digo,
uma avaliação honesta que separasse os alunos que aprendem dos que não o fazem
e exigindo que os que não aprendam voltem a tentar e a perceber que têm de o
fazer, pois isso não é indiferente para a sua permanência na instituição. O
problema surge aqui, na tendência para se desvalorizar a actividade do ensino e
do saber, de facto a sociedade liberal valoriza empreendedores, mas não sábios,
esses são até uma raça de gente a evitar. Quanto ao ensino “a sério” passaria a
estar a cargo de instituições privadas. Basta olhar para os resultados do
ensino Público e Privado nos exames do 12ºano para perceber a tendência. Se há
dez anos o Público rivalizava em resultados semelhantes, hoje a clivagem é
muito maior. Porquê? Porque o investimento na preparação para os exames, que
passa por um certo grau de exigência científica, está, no público, minimizado,
se um professor do ensino público quiser mantê-lo terá de se recusar a levar a
exame muitos alunos, ora, reprovar alunos hoje é sinónimo de mau ensino, logo
de mau professor e ninguém quer estar na margem desse "sucesso" de
conseguir os resultados mínimos (mesmo que esse mínimo seja muito pouco) para
os seus alunos.
Pela primeira vez a sociedade
está dividida, porque pela primeira vez há uma atitude que tem resultados
visíveis na sociedade, parece que consideramos normal que uma paralisação do
trabalho seja coisa privada de uma classe, prejudicando apenas aqueles que a
fazem ao reduzir-lhes o ordenado. Mas a responsabilidade deste caos é a massa
de silêncios e atropelos dos últimos anos reduzindo progressivamente a justiça
e o bom senso necessários para que todos possam exercer o seu trabalho com
segurança.
Helena Serrão
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