A teoria de Rawls constitui, em grande parte, uma reacção ao utilitarismo
clássico. De acordo com esta teoria, se uma acção maximiza a felicidade, não
importa se a felicidade é distribuída de maneira igual ou desigual. Grandes
desníveis entre ricos e pobres parecem em princípio justificados. Mas na
prática o utilitarismo prefere uma distribuição mais igual. Assim, se uma
família ganha 5 mil euros por mês e outra 500, o bem-estar da família rica não
diminuirá se 500 euros do seu rendimento forem transferidos para a família
pobre, mas o bem-estar desta última aumentará substancialmente. Isto
compreende-se porque, a partir de certa altura, a utilidade marginal do
dinheiro diminui à medida que este aumenta. (Chama-se "utilidade
marginal" ao benefício comparativo que se obtém de algo, por oposição ao
benefício bruto: achar uma nota de 100 euros representa menos benefício para
quem ganha 20 mil euros por mês do que para quem ganha apenas 500 euros por
mês.) Deste modo, uma determinada quantidade de riqueza produzirá mais
felicidade do que infelicidade se for retirada dos ricos para dar aos pobres.
Tudo isto parece muito sensato, mas deixa Rawls insatisfeito. Ainda que o
utilitarismo conduza a juízos correctos acerca da igualdade, Rawls pensa que o
utilitarismo comete o erro de não atribuir valor intrínseco à igualdade, mas
apenas valor instrumental. Isto quer dizer que a igualdade não é boa em si — é
boa apenas porque produz a maior felicidade total.
Por consequência, o ponto de partida de Rawls terá de ser bastante diferente.
Rawls parte então de uma concepção geral de justiça que se baseia na seguinte
ideia: todos os bens sociais primários — liberdades, oportunidades, riqueza,
rendimento e as bases sociais da auto-estima (um conceito impreciso) — devem
ser distribuídos de maneira igual a menos que uma distribuição desigual de
alguns ou de todos estes bens beneficie os menos favorecidos. A subtileza é que
tratar as pessoas como iguais não implica remover todas as desigualdades, mas
apenas aquelas que trazem desvantagens para alguém. Se dar mais dinheiro a uma
pessoa do que a outra promove mais os interesses de ambas do que simplesmente
dar-lhes a mesma quantidade de dinheiro, então uma consideração igualitária dos
interesses não proíbe essa desigualdade. Por exemplo, pode ser preciso pagar
mais dinheiro aos professores para os incentivar a estudar durante mais tempo,
diminuindo assim a taxa de reprovações. As desigualdades serão proibidas se
diminuírem a tua parte igual de bens sociais primários. Se aplicarmos este raciocínio
aos menos favorecidos, estes ficam com a possibilidade de vetar as
desigualdades que sacrificam e não promovem os seus interesses.
Mas esta concepção geral ainda não é uma teoria da justiça satisfatória. A
razão é que a ideia em que se baseia não impede a existência de conflitos entre
os vários bens sociais distribuídos. Por exemplo, se uma sociedade garantir um
determinado rendimento a desempregados que tenham uma escolaridade baixa,
criará uma desigualdade de oportunidades se ao mesmo tempo não permitir a essas
pessoas a possibilidade de completarem a escolaridade básica. Há neste caso um
conflito entre dois bens sociais, o rendimento e a igualdade de oportunidades.
Outro exemplo é este: se uma sociedade garantir o acesso a uma determinada
escolaridade a todos os seus cidadãos e ao mesmo tempo exigir que essa
escolaridade seja assegurada por uma escola da área de residência, no caso de
uma pessoa preferir uma escola fora da sua área de residência por ser mais
competente e estimulante, gera-se um conflito entre a igualdade de
oportunidades no acesso à educação e a liberdade de escolher a escola que cada
um acha melhor.
Faustino Vaz
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