1. A política baseia-se na
pluralidade dos homens. Deus criou o homem, os homens são um produto humano
mundano, e produto da natureza humana. A filosofia e a teologia ocupam-se
do homem, e todas as suas afirmações seriam correctas se houvesse apenas
um homem, ou apenas dois homens, ou apenas homens idênticos. Por isso, não
encontraram nenhuma resposta filosoficamente válida para a pergunta: o que é
política? Mais, ainda: para todo o pensamento científico existe apenas o homem
— na biologia ou na psicologia, na filosofia e na teologia, da mesma forma como
para a zoologia só existe o leão. Os leões seriam, no caso, uma questão que só
interessaria aos leões.
É surpreendente a diferença de
categoria entre as filosofias políticas e as obras de todos os grandes
pensadores — até mesmo de Platão. A política jamais atinge a mesma
profundidade. A falta de profundidade de pensamento não revela outra coisa
senão a própria ausência de profundidade, na qual a política está ancorada.
2. A política trata da
convivência entre diferentes. Os homens organizam-se politicamente para certas
coisas em comum, essenciais num caos absoluto, ou a partir do caos absoluto das diferenças. Enquanto os homens organizam
corpos políticos sobre a família, em cujo quadro se entendem, o parentesco
significa, em diversos graus, por um lado aquilo que pode ligar os mais
diferentes e por outro, aquilo pelo qual formas individuais semelhantes
podem separar-se de novo umas das outras e umas contra as outras.
Nessa forma de organização, a
diversidade original tanto é extinta de maneira efectiva como também é destruída
a igualdade essencial de todos os homens. A ruína da política em ambos
os casos surge do desenvolvimento de corpos políticos a partir da família. Aqui
já está indicado o que se torna simbólico na imagem da Sagrada Família: Deus
não criou tanto o homem como o fez com a família.*
3. Quando se vê na família
mais do que a participação, ou seja, a participação activa na pluralidade,
começa-se a fazer de Deus, ou seja, a agir como se se pudesse sair, de modo
natural, do princípio da diversidade.Hannah Arendt, O que é a Política? p.
Imagem, Leonard Freed, Colónia
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