Louise Bourgeois, escultura
Sócrates - Então vê, Protarco, em que consiste a tese de
Filebo, cuja defesa vais fazer, e também a nossa, que terás de contestar, no
caso de não a aprovares. Queres que recapitulemos as duas?
Protarco -
Perfeitamente. Sócrates - Ora bem: o que Filebo afirma, é que, para todos os
seres animados, o bem consiste no prazer e no deleite, e tudo o mais do mesmo
género. De nossa parte, defendemos o princípio de que talvez não seja nada
disso, mas que o saber, a inteligência, a memória e tudo o que lhes for
aparentado, como a opinião certa e o raciocínio verdadeiro, são melhores e de
mais valor que o prazer, para quantos forem capazes de participar deles, e que
essa participação é o que há de mais vantajoso para os seres presentes e
futuros. Não foram esses pontos, Filebo, mais ou menos, que cada um de nós
defendeu? Filebo - Isso mesmo, Sócrates; sem tirar nem pôr.
Sócrates - E agora,
Protarco, aceitas defender a tese que te confiamos?
Protarco - Sou obrigado a aceitar, uma vez que o belo Filebo
já se cansou.
Sócrates – Examinemos, então, e julguemos a vida do prazer e
a sabedoria, tomando cada uma em separado.
Protarco – Que queres dizer com isso?
Sócrates – Não admitamos nenhuma sabedoria na vida do prazer
nem prazer na da sabedoria. Se um dos dois for o bem, não necessitará de mais
nada, e se qualquer deles se revelar como carente de algo, só por isso, não
poderá ser considerado o verdadeiro bem.
Sócrates – Permites que façamos essa experiência contigo?
Protarco – Perfeitamente;
Sócrates – Então, responde.
Protarco – Podes
falar.
Sócrates – Aceitarias, Protarco, passar a vida inteira no
gozo dos maiores prazeres? Protarco – Por que não?
Sócrates – E achas que ainda te faltaria alguma coisa, se
contasses com prazeres em abundância?
Protarco – Em absoluto. Sócrates – Reflete melhor. Não
precisarias pensar, compreender e calcular o que te faltasse? Não virias a
precisar de nada?
Protarco – Para quê? Com o prazer, teria tudo.
Sócrates – Vivendo desse jeito, desfrutarias, a vida
inteira, dos maiores prazeres. Protarco – Sem dúvida.
Sócrates – Mas, para começar, sem inteligência nem memória,
nem conhecimento, nem opinião verdadeira, forçosamente não poderias saber se
desfrutavas ou não de algum prazer, já que não terias discernimento.
Protarco – Sem
dúvida.
Sócrates – Da mesma forma, desprovido de memória, é claro
que não apenas não poderias recordar-te de que havias tido algum prazer, como
também passaria sem deixar rastro o prazer do momento presente, Como não tendo opinião verdadeira, nunca poderias dizer que
sentias prazer no instante em que o sentisses, e como és carente de reflexão,
não poderias calcular os prazeres que o futuro te ensejasse. Não seria vida de
gente, mas de algum pulmão marinho, ou desses animais do mar provido de
conchas. Será assim mesmo, ou precisamos fazer do caso ideia diferente?
Protarco – Como fora possível?
Sócrates – E tal vida seria aceitável?
Protarco – Tua argumentação, Sócrates, deixou-me sem fala.
Platão, Filebo
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