Gustav Klimt, The Maiden, (1868-1918)
Qual é a relação entre uma razão e uma ação quando a razão explica a ação, dando a razão do agente para fazer o que fez? Podemos chamar tais explicações de racionalizações, e dizer que a razão racionaliza a ação.
Neste artigo quero defender a posição antiga — e de
senso comum — de que a racionalização é uma espécie de explicação causalb.
A defesa sem dúvida exige alguma reelaboração, mas não parece necessário
abandonar a posição, como muitos autores recentes insistem.1
Uma razão racionaliza uma ação somente se nos leva
a ver algo que o agente viu, ou pensou que viu, na sua ação — uma
característica, consequência ou aspeto da ação que quis, desejou, admirou,
estimou, considerou ser seu dever, ser benéfico, obrigatório ou agradável. Não
podemos explicar por que alguém fez o que fez simplesmente dizendo que a ação
particular lhe interessou; temos de indicar o que na ação lhe interessou.
Sempre que alguém faz algo por uma razão, pode, por isso, ser caracterizado por a)
ter algum tipo de atitude favorável a ações de certo tipo e b)
acreditar (ou saber, perceber, notar, lembrar) que sua ação é daquele tipo. Sob a) devem
ser incluídos desejos, quereres, impulsos, incitações, e uma grande diversidade
de pontos de vista morais, princípios estéticos, predisposições económicas,
convenções sociais, e objetivos e valores públicos ou privados, na medida em
que podem ser interpretados como atitudes de um agente que visam ações de certo
tipo. A palavra “atitude” precisa abranger não apenas traços de caráter
permanentes, que se revelam nos comportamentos de uma vida inteira, (como o
amor por crianças ou o gosto por companhia barulhenta), mas também as mais
efémeras fantasias que impelem
uma ação singular, como um desejo
súbito de tocar o cotovelo de uma mulher. Em geral, as atitudes favoráveis não
devem ser tomadas como convicções, de que toda a ação de certo tipo deva ser
realizada, mereça ser realizada, ou seja desejável. Pelo contrário, um homem
pode ter a vida toda um desejo ávido de, digamos, beber uma lata de tinta, sem
jamais, nem mesmo no momento em que se sujeita a tal, acreditar que valha a
pena fazê-lo.
Dar a razão pela qual um agente fez algo é
frequentemente uma questão de nomear a atitude favorável (a), ou a
crença relacionada (b), ou ambos; vou nomear razão primária (inclui as duas) pela qual o agente
realizou a ação. (…)Ligo o interruptor, acendo a luz e ilumino a sala. Sem que
eu saiba, também alerto o ladrão do fato de que estou em casa. Aqui não preciso estar a fazer quatro
coisasc, mas apenas uma, da qual se deram quatro descrições.2
Liguei o interruptor
porque quis acender a luz e, ao dizer que quis acender a luz, explico (dou a minha
razão, racionalizo) o ligar. Mas não racionalizo, o meu alertar o ladrão, nem o
meu iluminar a sala. Dado que as razões podem racionalizar o que alguém faz
quando o descrevemos de um modo mas não de outro, não podemos tratar o que foi
feito simplesmente como um termo em frases como “A minha razão para ligar o
interruptor foi que quis acender a luz”; de outro modo seríamos forçados a
concluir, do fato de que ligar o interruptor foi idêntico a alertar o ladrão,
que a minha razão para alertar o ladrão foi que quis acender a luz.
(…) Quando sabemos que
uma ação é intencional, é fácil responder à pergunta “Por que fez você isso?”
com “Por nenhuma razão”, não significando que não houve uma razão, mas que não
houve uma razão adicional, nenhuma razão que
não pudesse ser inferida do fato de a ação ter sido intencional; nenhuma razão,
por outras palavras, além de querer realizá-la. Esse último ponto não é
essencial para o argumento presente, mas é interessante porque defende a
possibilidade de definir uma ação intencional como uma ação feita por uma
razão.
Uma razão primária consiste numa crença e numa
atitude, mas geralmente é ocioso mencionar ambas. Se você me diz que está
afrouxando a bujarrona, porque pensa que assim impedirá a vela mestra de ceder,
não preciso ser avisado de que você quer impedir que a vela mestra ceda; e se
você me diz que está fazendo uma careta porque me quer me insultar, não há
razão para acrescentar que pensa que fazendo uma careta me insulta. De modo
semelhante, muitas explicações de ações em termos de razões que não são
primárias não exigem menção da razão primária para completar a história. (…)b Felizmente,
não é necessário classificar e analisar os muitos tipos de emoções,
sentimentos, humores, motivos, paixões e apetites, cuja menção pode responder à
pergunta “Por que fez você isso?”, para se ver que, quando tal menção
racionaliza a ação, está envolvida uma razão primária. A claustrofobia dá a um
homem uma razão para deixar uma festa, porque sabemos que as pessoas querem
evitar, escapar, ficar seguras, manter distância entre elas e o que temem. (…)Saber
que foi a razão primária pela qual alguém agiu como agiu é saber qual foi a
intenção com a qual a ação foi feita. Se viro à esquerda na encruzilhada porque
quero chegar a Katmandu, a minha intenção ao virar à esquerda é chegar a Katmandu.
Mas saber qual é a intenção não é, necessariamente, saber qual é a razão
primária em todos os detalhes. Se James vai à igreja com a intenção de agradar
a sua mãe, então tem de ter alguma atitude favorável em relação a agradar a sua
mãe, mas é necessário mais informação para dizer se a sua razão é que gosta de
agradar a sua mãe, ou pensa que é certo, que é o seu dever ou que é uma
obrigação.
Donald Davidson, Ensaios sobre ações e acontecimentos,
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