Fraco. Para qualquer pessoa compreender porque é que as duas situações não são comparaveis, basta notar que a pessoa, quando esta em cima da ponte, tem a possibilidade de saltar ela propria e impedir a passagem do comboio. A "corpulência" da outra pessoa é uma muleta argumentativa falaciosa que apenas esta la para tentar ocultar este lado essencial do problema.
Bom, agora tenho eu um dilema : posso, com um simples clique, matar um desenho animado mediocre, levando talvez algum leitor a consultar um ou vario(s) livro(s) de filosofia a sério. Sera que o vou fazer ?
João Viegas, a situação leva-nos a reflectir se é comparável a responsabilidade de deixar morrer,com a de matar,sendo que na primeira podemos sempre argumentar que não escolhemos a situação, que ela não foi criada por nós, enquanto na segunda não.Mostra também que a solução utilitarista "mexe" com esse princípio (inato?) de que não é satisfatório trocar (sacrificar) uma vida humana pela de 5.O desenho/animação não é medíocre está até bem feito. A situação não deixa, contudo, de ser forçada. Com os livros de Filosofia também se pode brincar, e fazer humor, é difícil mas aliciante, poucos o fazem bem o que é uma pena. Obrigada pelo comentário.Boas escritas.
Sei que se trata de uma historieta muitas vezes utilizada e julgo compreender qual é o proposito. Acontece que a historia não funciona, pela razão que digo, que mostra o limite do argumento : ha uma diferença obvia entre matar e deixar morrer, e não é preciso recorrer a qualquer tipo de impulso inato : o heroismo da pessoa que se sacrifica ela propria para salvar cinco é aplaudido, mas não é exigido moralmente. O que a peça mostra é apenas um corolario disso e não prova absolutamente nada, como também não ilustra grande coisa. Concretamente, a primeira situação, em que se desvia o comboio, é apenas uma hipotese barroca que se apresenta sob a aparência de um caso de necessidade (debativel), quando a segunda não pode de forma nenhuma ser considerada como uma situação equivalente, porque existe uma outra forma de responder à ansia (o sacrificio da propria vida).
Sei que é um exemplo badalado. Apenas não funciona. E não é porque é repetido cem vezes que passa a ser ilustrativo.
João Viegas: No sentido que reafirma a morte do próprio poderia ser equacionada e não é, o que, sem dúvida é uma lacuna. Penso que esta animação, funciona como crítica do utilitarismo pois faz-nos pensar que a vida humana tem valor intrínseco e a quantidade não acrescenta ou retira nada a esse valor, isto é, moralmente as nossas decisões parecem ser determinadas por princípios positivos e negativos, o princípio de não matar,e o princípio de matar para salvar outros, funcionam não como princípios meramente activos mas como princípios que promovem a sua parte de desejo e de repulsa, matar promove uma repulsa mais forte que o desejo de salvar, do que se segue que a repulsa e o desejo funcionam como equivalentes, um inibindo a acção e o outro motivando-a. Obrigada pelo comentário.
Julgo que mesmo para os utilitaristas, ou pelo menos para a maioria deles, a vida humana tem um valor intrinseco. Tanto quanto consigo entender, o que se pretende aqui é mostrar os limites do consequencialismo (muitas vezes tido como uma corrente que leva o utilitarismo ao extremo). Nesse sentido, a primeira hipotese, mostra, julgo eu, como o consequencialismo falha quando se trata de salvaguardar a dignidade da vida humana, que por sua vez acarreta normalmente a sua intangibilidade. E' a classica questão de saber até que ponto o raciocinio classico do "estado de necessidade" (que justifica o sacrificio de um bem menor para salvaguardar de um bem maior) é admissivel quando falamos da vida humana, supostamente o maior de todos os bens e, pelo menos, aquele que esta na base de maior parte dos sistemas éticos, funcionando quase como um axioma.
Repare que a questão colocada na primeira hipotese esta muito perto de questões éticas com que nos defrontamos todos os dias. Por exemplo o médico não pode abreviar a vida de um doente em fase terminal com o fim de recuperar um orgão que permite salvar um ou varios outros doentes mais saudaveis mas cuja vida corre perigo iminente.
Portanto o respeito que devemos ter pela vida, que nos proibe "absolutamente" de atentar contra ela, não tolera quantificações (tipo : mas posso sacrificar uma para salvar 20, e para salvar 2 milhões ?). Como é obvio, encontraremos sempre situações limite, onde esta regra parece estar em xeque. Assim se passa na situação imaginada : existe a possibilidade, com um simples gesto, que parece estar no limite da inacção, de obter de forma absolutamente certa um "resultado" quantificavel e obviamente "superior" (salvei 5 vidas sacrificando uma). Até ai tudo bem.
Mas se o proposito da segunda hipotese é mostrar que numa situação comparavel vemos mais claramente como o atentado a uma vida é inadmissivel, então a historia não funciona. Claramente, no caso B, não estamos numa situação comparavel e, mesmo do ponto de vista de um consequencialista, o acto de empurrar fulano para a linha é inaceitavel, pela razão que expus acima.
Mas ha mais. A "falha" põe o dedo num ponto que a reflexão na construção da hipotese devia ter ponderado : é falacioso falar no respeito da dignidade da vida humana de forma completamente abstrata sem introduzir a subjectividade. Neste sentido, a possibilidade de haver sacrificio de uma pessoa (louvado, mas não exigido) convida a colocar o problema em termos mais finos e, desta forma, a encontrar uma maneira muito mais simples e directa de mostrar os limites do "consequencialismo" (ou da forma simplificada como é apresentado). No fundo, quando eu estou em causa, não ha equivalência nenhuma. Por exemplo, numa situação classica de legitima defesa, eu posso perfeitamente matar 10 ou 20 pessoas, desde que elas estejam a ameaçar-me perigosamente e de forma iminente. Neste exemplo, faz sentido eu equacionar o sacrificio de uma vida (a minha) para salvar 20 (numero claramente superior ?). E obvio que não faz...
Porque é que não faz sentido ? Precisamente porque o valor que damos à vida, e que identificamos com o respeito da sua dignidade, mexe com algo que, por definição, não é equacionavel.
Por esta mesma razão, a historia erra também o alvo. Um consequencialista podera sempre responder que estamos a falar de situações limite que são absurdas, porque mexem com os proprio fundamentos de qualquer sistema ético. Para haver ética, é necessario haver vida. Os utilitaristas, ou pelo menos a grande maioria deles, operam apenas dentro deste quadro e aceitam completamente o caracter sagrado e itangivel da vida humana. Logo, provavelmente, não aceitariam facilmente que se sacrifique uma vida a pretexto de salvar cinco.
João Viegas, obrigada pela sua disputa em torno de uma animação "falhada". Ironicamente será o falhanço desta animação que nos permite trocar algumas ideias, nesse aspecto não poderemos advogar mais o seu "falhanço" uma vez que cumpre os seus objectivos, e seríamos mais conformes à verdade se admitíssemos ser um facto a interpelação que, por uma razão ou outra, nos vai alimentando este diálogo. Suponho que estamos a debater o valor da vida, e se é equacionável moralmente tirá-la ou não, se é equivalente moralmente a salvá-la. penso que respondi a essa questão acima. Que do ponto de vista de uma ética deontológica teremos o dever de salvar, mas esse dever não pode ser cumprido com o sacrifício de um dever maior, o de não matar. A questão parece-me que é colocada na animação, os nossos deveres morais não têm apenas como critério o resultado previsto ou desejável das nossas acões no mundo, pela simples razão que esse resultado não é racionalmente previsível nem pode ser dominado pelo sujeito que age, o único factor dominável será aquele sobre o qual incide a nossa responsabilidade moral. Seguindo esta linha "deontológica" o dever de respeitar a vida só pode ser avaliado moralmente se o sujeito tiver liberdade -no caso apontado - estar ameaçado de morte não é uma situação que exija um juízo moral pois não é uma situação em que o sujeito seja livre, trata-se de sobrevivência, o dever moral é trucidado, assim como a liberdade. Neste caso, equaciona-se se haverá inconsistência entre não repudiarmos desviar a linha do eléctrico e matar um inocente para salvar 5 e empurrar um homem inocente directamente para a morte. As acções morais não dizem respeito apenas aos resultados mas ao modo como os obtemos. O "modo" é exactamente o que está no extricto domínio do sujeito pois se refere aos seus limites e princípios morais, que, seja qual for o resultado ou a situação, não podem ser violados sem o risco de deixarem de existir, é por isso, que a opção de "matar" nos causa mais repulsa que o desejo de salvar. Todavia se estiver ao nosso alcance o desvio do carro eléctrico o princípio de salvar vidas parece universalmente justificável, apesar do resultado ser, sem querermos, a morte de um.
Olá novamente e mais uma vez obrigado pela resposta.
Concordo que a peça atinge os seus resultados na medida em que põe as pessoas a reflectir e a conversar sobre o assunto, como faço com prazer e proveito, homenageando a minha interlocutora pela elegância e simplicidade na exposição da sua tese.
Outro mérito do seu último comentário foi obrigar-me a rever a peça e constatar que, de facto, a crítica pode resumir-se assim : os utilitaristas (eu dizia os consequencialistas) não conseguem justificar uma diferença entre duas situações, quando elas são valorizadas de maneira completamente diferente, de forma intuitiva, por parte da grande maioria das pessoas, que acreditam que é justificado moralmente desviar o comboio (na hipótese A), mas não é justificado moralmente atirar com uma pessoa para a frente do comboio (na hipótese B).
Vou então reformular as minhas objecções que são duas :
1. Os utilitaristas conseguem perfeitamente justificar a diferença entre as duas situações, que não são comparáveis. Com efeito, na hipótese B, existe uma forma de fazer parar o comboio sem sacrificar a vida de outrem, saltando para a linha de comboio. 2. Mas em todo o caso, se fizermos abstracção do ponto 1, a diferença intuitiva que as pessoas fazem entre as duas situações está errada. As pessoas consideram que o toque numa alavanca, sabendo que vai custar a vida de um homem, encontra-se justificado pela intenção de salvar cinco. Isto está errado. Vejo que a Helena Serrão adere a este ponto de vista e considera que este acto é moralmente justificado. Não vejo porquê. Na peça, o narrador não vai tão longe, deixando a questão em aberto. Na vida real, há inúmeros exemplos de que não aceitamos este sacrifício. Um exemplo é aquele que expús acima, dos médicos que podem estar tentados de salvar vários pacientes precipitando a morte de um. Mais haveria. Eu não sou utilitarista (e menos ainda consequencialista) e para mim é líquido que o acto de mexer na alavanca para desviar o comboio, mesmo sabendo que sacrifico um para salvar cinco, NÃO é moralmente defensável.
Depois, acrescentei a questão da legítima defesa para mostrar que não fazia sentido equacionar a vida com outras vidas. Temo no entanto que isso tenha causado confusão, porque vejo que a Helena vem contrapor com a questão da liberdade, que julgo ser uma questão diferente (no caso, a ausência de liberdade pressupõe que eu estou autorizado a dar mais valor à minha vida do que a outras, o que de certa forma, era precisamente o que eu queria dizer). Mas estou disposto a esquecer esta parte, que vem trazer uma complicação inútil.
Bom, outro aspecto interessante da peça é que agora, quando passo numa ponte por cima de uma linha de caminho de ferro, procuro certificar-me que não vem ninguém atrás de mim…
« Si votre maison brûlait, qu’emporteriez- vous ?» – « J’emporterais le feu! ».Jean Cocteau
CURSO DE FILOSOFIA
Está aberto para quem goste e queira.
Temos um prémio! Obrigada ao Bicho-carpinteiro!
Assim mesmo.
Ótimo é aquele que de si mesmo [conhece todas as coisas; Bom, o que escuta os conselhos [dos homens judiciosos. Mas o que por si não pensa, nem [acolhe a sabedoria alheia, Esse é, em verdade, uma criatura [inútil. Hesíodo
8 comentários:
Fraco. Para qualquer pessoa compreender porque é que as duas situações não são comparaveis, basta notar que a pessoa, quando esta em cima da ponte, tem a possibilidade de saltar ela propria e impedir a passagem do comboio. A "corpulência" da outra pessoa é uma muleta argumentativa falaciosa que apenas esta la para tentar ocultar este lado essencial do problema.
Bom, agora tenho eu um dilema : posso, com um simples clique, matar um desenho animado mediocre, levando talvez algum leitor a consultar um ou vario(s) livro(s) de filosofia a sério. Sera que o vou fazer ?
Boas
João Viegas, a situação leva-nos a reflectir se é comparável a responsabilidade de deixar morrer,com a de matar,sendo que na primeira podemos sempre argumentar que não escolhemos a situação, que ela não foi criada por nós, enquanto na segunda não.Mostra também que a solução utilitarista "mexe" com esse princípio (inato?) de que não é satisfatório trocar (sacrificar) uma vida humana pela de 5.O desenho/animação não é medíocre está até bem feito. A situação não deixa, contudo, de ser forçada. Com os livros de Filosofia também se pode brincar, e fazer humor, é difícil mas aliciante, poucos o fazem bem o que é uma pena. Obrigada pelo comentário.Boas escritas.
Eu é que agradeço a resposta.
Sei que se trata de uma historieta muitas vezes utilizada e julgo compreender qual é o proposito. Acontece que a historia não funciona, pela razão que digo, que mostra o limite do argumento : ha uma diferença obvia entre matar e deixar morrer, e não é preciso recorrer a qualquer tipo de impulso inato : o heroismo da pessoa que se sacrifica ela propria para salvar cinco é aplaudido, mas não é exigido moralmente. O que a peça mostra é apenas um corolario disso e não prova absolutamente nada, como também não ilustra grande coisa. Concretamente, a primeira situação, em que se desvia o comboio, é apenas uma hipotese barroca que se apresenta sob a aparência de um caso de necessidade (debativel), quando a segunda não pode de forma nenhuma ser considerada como uma situação equivalente, porque existe uma outra forma de responder à ansia (o sacrificio da propria vida).
Sei que é um exemplo badalado. Apenas não funciona. E não é porque é repetido cem vezes que passa a ser ilustrativo.
Boas
João Viegas: No sentido que reafirma a morte do próprio poderia ser equacionada e não é, o que, sem dúvida é uma lacuna. Penso que esta animação, funciona como crítica do utilitarismo pois faz-nos pensar que a vida humana tem valor intrínseco e a quantidade não acrescenta ou retira nada a esse valor, isto é, moralmente as nossas decisões parecem ser determinadas por princípios positivos e negativos, o princípio de não matar,e o princípio de matar para salvar outros, funcionam não como princípios meramente activos mas como princípios que promovem a sua parte de desejo e de repulsa, matar promove uma repulsa mais forte que o desejo de salvar, do que se segue que a repulsa e o desejo funcionam como equivalentes, um inibindo a acção e o outro motivando-a. Obrigada pelo comentário.
Bom dia e mais uma vez obrigado pela resposta.
Allow me to retort.
Julgo que mesmo para os utilitaristas, ou pelo menos para a maioria deles, a vida humana tem um valor intrinseco. Tanto quanto consigo entender, o que se pretende aqui é mostrar os limites do consequencialismo (muitas vezes tido como uma corrente que leva o utilitarismo ao extremo). Nesse sentido, a primeira hipotese, mostra, julgo eu, como o consequencialismo falha quando se trata de salvaguardar a dignidade da vida humana, que por sua vez acarreta normalmente a sua intangibilidade. E' a classica questão de saber até que ponto o raciocinio classico do "estado de necessidade" (que justifica o sacrificio de um bem menor para salvaguardar de um bem maior) é admissivel quando falamos da vida humana, supostamente o maior de todos os bens e, pelo menos, aquele que esta na base de maior parte dos sistemas éticos, funcionando quase como um axioma.
Repare que a questão colocada na primeira hipotese esta muito perto de questões éticas com que nos defrontamos todos os dias. Por exemplo o médico não pode abreviar a vida de um doente em fase terminal com o fim de recuperar um orgão que permite salvar um ou varios outros doentes mais saudaveis mas cuja vida corre perigo iminente.
Portanto o respeito que devemos ter pela vida, que nos proibe "absolutamente" de atentar contra ela, não tolera quantificações (tipo : mas posso sacrificar uma para salvar 20, e para salvar 2 milhões ?). Como é obvio, encontraremos sempre situações limite, onde esta regra parece estar em xeque. Assim se passa na situação imaginada : existe a possibilidade, com um simples gesto, que parece estar no limite da inacção, de obter de forma absolutamente certa um "resultado" quantificavel e obviamente "superior" (salvei 5 vidas sacrificando uma). Até ai tudo bem.
Mas se o proposito da segunda hipotese é mostrar que numa situação comparavel vemos mais claramente como o atentado a uma vida é inadmissivel, então a historia não funciona. Claramente, no caso B, não estamos numa situação comparavel e, mesmo do ponto de vista de um consequencialista, o acto de empurrar fulano para a linha é inaceitavel, pela razão que expus acima.
Mas ha mais. A "falha" põe o dedo num ponto que a reflexão na construção da hipotese devia ter ponderado : é falacioso falar no respeito da dignidade da vida humana de forma completamente abstrata sem introduzir a subjectividade. Neste sentido, a possibilidade de haver sacrificio de uma pessoa (louvado, mas não exigido) convida a colocar o problema em termos mais finos e, desta forma, a encontrar uma maneira muito mais simples e directa de mostrar os limites do "consequencialismo" (ou da forma simplificada como é apresentado). No fundo, quando eu estou em causa, não ha equivalência nenhuma. Por exemplo, numa situação classica de legitima defesa, eu posso perfeitamente matar 10 ou 20 pessoas, desde que elas estejam a ameaçar-me perigosamente e de forma iminente. Neste exemplo, faz sentido eu equacionar o sacrificio de uma vida (a minha) para salvar 20 (numero claramente superior ?). E obvio que não faz...
Porque é que não faz sentido ? Precisamente porque o valor que damos à vida, e que identificamos com o respeito da sua dignidade, mexe com algo que, por definição, não é equacionavel.
Por esta mesma razão, a historia erra também o alvo. Um consequencialista podera sempre responder que estamos a falar de situações limite que são absurdas, porque mexem com os proprio fundamentos de qualquer sistema ético. Para haver ética, é necessario haver vida. Os utilitaristas, ou pelo menos a grande maioria deles, operam apenas dentro deste quadro e aceitam completamente o caracter sagrado e itangivel da vida humana. Logo, provavelmente, não aceitariam facilmente que se sacrifique uma vida a pretexto de salvar cinco.
Boas e obrigado por aturar-me.
João Viegas, obrigada pela sua disputa em torno de uma animação "falhada". Ironicamente será o falhanço desta animação que nos permite trocar algumas ideias, nesse aspecto não poderemos advogar mais o seu "falhanço" uma vez que cumpre os seus objectivos, e seríamos mais conformes à verdade se admitíssemos ser um facto a interpelação que, por uma razão ou outra, nos vai alimentando este diálogo. Suponho que estamos a debater o valor da vida, e se é equacionável moralmente tirá-la ou não, se é equivalente moralmente a salvá-la. penso que respondi a essa questão acima. Que do ponto de vista de uma ética deontológica teremos o dever de salvar, mas esse dever não pode ser cumprido com o sacrifício de um dever maior, o de não matar. A questão parece-me que é colocada na animação, os nossos deveres morais não têm apenas como critério o resultado previsto ou desejável das nossas acões no mundo, pela simples razão que esse resultado não é racionalmente previsível nem pode ser dominado pelo sujeito que age, o único factor dominável será aquele sobre o qual incide a nossa responsabilidade moral. Seguindo esta linha "deontológica" o dever de respeitar a vida só pode ser avaliado moralmente se o sujeito tiver liberdade -no caso apontado - estar ameaçado de morte não é uma situação que exija um juízo moral pois não é uma situação em que o sujeito seja livre, trata-se de sobrevivência, o dever moral é trucidado, assim como a liberdade. Neste caso, equaciona-se se haverá inconsistência entre não repudiarmos desviar a linha do eléctrico e matar um inocente para salvar 5 e empurrar um homem inocente directamente para a morte. As acções morais não dizem respeito apenas aos resultados mas ao modo como os obtemos. O "modo" é exactamente o que está no extricto domínio do sujeito pois se refere aos seus limites e princípios morais, que, seja qual for o resultado ou a situação, não podem ser violados sem o risco de deixarem de existir, é por isso, que a opção de "matar" nos causa mais repulsa que o desejo de salvar. Todavia se estiver ao nosso alcance o desvio do carro eléctrico o princípio de salvar vidas parece universalmente justificável, apesar do resultado ser, sem querermos, a morte de um.
http://cantodossabios.blogspot.com.br/ Estou começando um blog - quem poder da uma olhada, eu agradeço
Olá novamente e mais uma vez obrigado pela resposta.
Concordo que a peça atinge os seus resultados na medida em que põe as pessoas a reflectir e a conversar sobre o assunto, como faço com prazer e proveito, homenageando a minha interlocutora pela elegância e simplicidade na exposição da sua tese.
Outro mérito do seu último comentário foi obrigar-me a rever a peça e constatar que, de facto, a crítica pode resumir-se assim : os utilitaristas (eu dizia os consequencialistas) não conseguem justificar uma diferença entre duas situações, quando elas são valorizadas de maneira completamente diferente, de forma intuitiva, por parte da grande maioria das pessoas, que acreditam que é justificado moralmente desviar o comboio (na hipótese A), mas não é justificado moralmente atirar com uma pessoa para a frente do comboio (na hipótese B).
Vou então reformular as minhas objecções que são duas :
1. Os utilitaristas conseguem perfeitamente justificar a diferença entre as duas situações, que não são comparáveis. Com efeito, na hipótese B, existe uma forma de fazer parar o comboio sem sacrificar a vida de outrem, saltando para a linha de comboio.
2. Mas em todo o caso, se fizermos abstracção do ponto 1, a diferença intuitiva que as pessoas fazem entre as duas situações está errada. As pessoas consideram que o toque numa alavanca, sabendo que vai custar a vida de um homem, encontra-se justificado pela intenção de salvar cinco. Isto está errado. Vejo que a Helena Serrão adere a este ponto de vista e considera que este acto é moralmente justificado. Não vejo porquê. Na peça, o narrador não vai tão longe, deixando a questão em aberto. Na vida real, há inúmeros exemplos de que não aceitamos este sacrifício. Um exemplo é aquele que expús acima, dos médicos que podem estar tentados de salvar vários pacientes precipitando a morte de um. Mais haveria. Eu não sou utilitarista (e menos ainda consequencialista) e para mim é líquido que o acto de mexer na alavanca para desviar o comboio, mesmo sabendo que sacrifico um para salvar cinco, NÃO é moralmente defensável.
Depois, acrescentei a questão da legítima defesa para mostrar que não fazia sentido equacionar a vida com outras vidas. Temo no entanto que isso tenha causado confusão, porque vejo que a Helena vem contrapor com a questão da liberdade, que julgo ser uma questão diferente (no caso, a ausência de liberdade pressupõe que eu estou autorizado a dar mais valor à minha vida do que a outras, o que de certa forma, era precisamente o que eu queria dizer). Mas estou disposto a esquecer esta parte, que vem trazer uma complicação inútil.
Bom, outro aspecto interessante da peça é que agora, quando passo numa ponte por cima de uma linha de caminho de ferro, procuro certificar-me que não vem ninguém atrás de mim…
Boas
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