domingo, novembro 06, 2016

O significado de cultural



Em virtude da sua grande capacidade de adaptação e do seu engenho notável, o homem pode aperfeiçoar de muitíssimos modos a forma pela qual satisfaz as suas necessidades. Possui capacidade de criar o próprio meio, em vez de ser obrigado, como no caso de outros animais, a sujeitar-se ao meio em que se encontra. Dentro de cada sociedade existem maneiras especiais de satisfação das necessidades. As origens dessas maneiras,  regra geral, estão “perdidas na névoa dos tempos” ou, como dizem os aborígenes australianos, “pertencem ao tempo do sonho”. Com efeito, uma das coisas mais difíceis em Antropologia é traçar a origem de um costume. De ordinário, não existe ninguém com idade suficiente para se lembrar da sua origem porque, por via de regra, ele surgiu há muito tempo, muito antes da tradição oral ou da história escrita.
A cultura representa a resposta do homem às suas necessidades básicas. É o seu modo de se colocar à vontade no mundo. É o comportamento que aprendeu como membro da sociedade. Podemos defini-la como o modo de vida de um povo, o meio, em formas de ideias, instituições, língua, instrumentos, serviços e pensamentos, criado por um grupo de seres humanos que ocupam um território comum.
É esse meio feito pelo homem, a cultura, que todas as sociedades humanas impõem ao meio físico e no qual todos os seres humanos são adestrados. De tal forma se identifica a cultura com a própria vida que se pode dizer perfeitamente não ser ela tanto sobreposta à vida quanto uma extensão da mesma vida. Assim como o instrumento amplia e estende as capacidades da mão, assim a cultura acentua e estende as capacidades da vida.

São os seguintes critérios pelos quais se reconhece a cultura: (1) precisa ser inventada, (2) precisa ser transmitida de uma geração a outra, e (3) precisa ser perpetuada na sua forma original ou duma forma modificada. Ao passo que outros animais são capazes de um restrito comportamento cultural, só o homem parece possuir uma capacidade virtualmente ilimitada de cultura. O processo de criar, transmitir e manter o passado no presente é cultura – a capacidade que o linguista  norte-americano  Alfred Korybski denominou vinculadora do tempo. As plantas vinculam as substâncias químicas, os animais vinculam o espaço, mas só o homem é capaz de vincular o tempo.
A cultura é a criação conjunta do indivíduo e da sociedade, que interagem mútua e reciprocamente, para se servirem, manterem, sustentarem e desenvolverem um ao outro.
A cultura, portanto, é o complexo de configurações mentais que, em forma de produtos de comportamento e produtos materiais, constitui de modo principal que tem o homem de adaptar-se ao meio total, controlando-o, mudando-o e transmitindo e perpetuando os modos acumulados de fazê-lo.
A mudança evolutiva processa-se em todos os animais por mutação e pelo armazenamento, nos genes, das mutações mais valiosas resultantes da adaptação. No homem, a mudança evolutiva também se processou dessa maneira, mas a adição de um sem-número de mudanças não genéticas, que também representam mudanças evolutivas sociais. Essas mudanças culturais ou de comportamento, não genéticas, não estão armazenadas nos genes, porém na parte do meio feita pelo homem, na parte aprendida, na cultura, nos instrumentos, nos costumes, nas instituições, nas baladas, etc., nas lembranças dos homens, assim como em outros dispositivos não genéticos de armazenamento e recuperação de informações.
A natureza humana é o que se aprende do meio feito pelo homem; não é alguma coisa com que se nasce. O ser humano nasce, isso sim, com as possibilidades de aprendizagem, que, mediante o ensino adequado, podem ser transformadas em capacidades unicamente humanas.


ASHLEY MONTAGU - As necesidades humanas e o significado da cultura