domingo, janeiro 22, 2017

Acerca do realismo e do idealismo


Thomas Hoepker (Alemanha, 1936) Brookling, 11 de Setembro de 2001

(...) Será que o significado das nossas frases deve ser explicado em função dos indicios que temos para as afirmar, ou será uma questão  de condições de verdade que nada têm que ver com indícios ?Isto relaciona-se com o idealismo - a ideia de que o mundo é, em última análise, mental -porque os indícios que temos a favor das nossas crenças reduz-se aos estados sensoriais que nos levam a acreditar naquilo que acreditamos. Por exemplo, se eu afirmar "Está uma mesa castanha nesta sala", faço-o por causa dos dados dos meus sentidos -isto é, porque me parece, visualmente, que está uma mesa ali; e este parecer-me é um estado do meu sistema sensorial, um estado mental em que me encontro. Assim, se o significado de uma frase deve ser explicado com base em indícios, então a verdade da frase vai acabar por envolver estados sensoriais tais como o parecer que vejo uma mesa. Esta é a chamada posição anti-realista (ou idealista). Um realista, em oposição, dirá que a frase é acerca de uma mesa e de uma sala que têm uma existência independente de quais quer estados sensoriais que possa ter ou atos de fala que possa realizar. Para um realista, tais estados sensoriais ou atos de fala são uma consequência da existência de objetos físicos, uma vez que estes atuam causalmente nos nossos órgãos sensoriais, mas não constituem os objetos físicos. Os realistas defendem que os objetos são causas dos nossos estados mentais, intrinsecamente independentes da mente, que nos dão os indícios da sua existência.

Colin McGinn,  Como se faz um filósofo, p.117,118

quarta-feira, janeiro 04, 2017

O IMPÉRIO ATENIENSE - Sócrates e os Sofistas


" Os dias mais gloriosos da Grécia Antiga tiveram lugar no século V a. C., ao longo de 50 anos de paz entre dois períodos de guerra. O século começara com guerras entre a Grécia e a Pérsia e terminaria com uma guerra entre as cidades-estado da própria Grécia. No período intermédio, floresceu a grandiosa civilização de Atenas. A Jónia, onde tinham surgido os primeiros filósofos, estivera sob o domínio persa desde meados do século VI. Em 499, os gregos da Jónia rebelaram-se contra o rei persa, Dario. Depois de esmagar a revolta, Dario invadiu a Grécia para castigar os que tinham ajudado os rebeldes a partir da metrópole. Uma força militar constituída sobretudo por atenienses derrotou o exército invasor em Maratona, em 490. Xerxes, filho de Dario, enviou uma expedição mais numerosa em 484, derrotando um corajoso batalhão de espartanos nas Termópilas e forçando os atenienses a fugir da sua cidade. Mas a sua armada foi derrotada perto da ilha de Salamina por uma marinha grega unificada, e uma vitória grega em terra, em Plateias, em 479, pôs fim à invasão. Depois das invasões, Atenas assumiu a liderança dos aliados gregos. Foram os atenienses que libertaram os gregos da Jónia, e era Atenas, apoiada por contribuições de outras cidades, que controlava a armada que assegurava a liberdade dos mares Egeu e Jónio. Aquilo que começara como uma federação deu origem a um Império Ateniense. Internamente, Atenas era uma democracia, o primeiro exemplo fidedigno dessa forma de organização política. «Democracia» é, em 46 grego, a palavra que significa o governo do povo; e a democracia ateniense era um exemplo muito fiel de um tal regime. Atenas não era como uma democracia moderna, na qual os cidadãos elegem representantes que formam um governo. Em vez disso, cada cidadão tinha o direito de participar em pessoa no governo, comparecendo numa assembleia geral onde podia ouvir os discursos dos líderes políticos e depois dar o seu voto. Para se ver o que isto significaria em termos actuais, imagine-se que os membros do governo e da oposição falavam na televisão durante duas horas, após o que era apresentada uma moção e tomada uma decisão com base nos votos fornecidos por cada espectador ao premir ou o botão do «sim», ou o botão do «não» no televisor. Para tornar o paralelo rigoroso, teria de acrescentar-se que apenas aos cidadãos do sexo masculino com mais de 20 anos seria permitido premir o botão — mas não às mulheres, nem às crianças, escravos ou estrangeiros. Os poderes judicial e legislativo eram, em Atenas, atribuídos por sorteio a membros da assembleia com mais de 30 anos; as leis eram aprovadas por um painel de mil cidadãos, escolhidos apenas por um dia; e os julgamentos mais importantes realizavam-se perante um júri de 501 cidadãos. Até os magistrados — aqueles a quem cabia executar as decisões do governo, quer fossem judiciais, financeiras ou militares — eram maioritariamente escolhidos por sorteio; apenas cerca de 100 eram eleitos. Nunca antes ou desde então os cidadãos comuns de um Estado participaram tão activamente no seu governo. É importante ter isto presente quando lemos o que os filósofos gregos diziam acerca dos méritos e deméritos das instituições democráticas. Os atenienses afirmavam que a sua constituição era contemporânea das reformas de Clístenes de 508 a. C., e esse ano é muitas vezes considerado o do nascimento da democracia. A democracia ateniense não era incompatível com a liderança aristocrática. No seu período imperial Atenas foi, por escolha popular, governada por Péricles, sobrinho -neto de Clístenes. Péricles instituiu um ambicioso programa de reconstrução dos templos da cidade que tinham sido destruídos por Xerxes; ainda nos dias de hoje vêm visitantes dos quatro cantos do mundo para ver as ruínas dos edifícios que Péricles erigiu na Acrópole, a fortaleza de Atenas. As esculturas com as quais estes templos foram decorados encontram-se entre os objectos mais preciosos dos museus pelos quais estão hoje espalhadas. O Parténon, o templo em honra da deusa virgem Atena, foi construído como oferenda pelas vitórias nas guerras pérsicas. Os mármores Elgin que estão no Museu Britânico, trazidos das ruínas desse templo por Lorde 47 Elgin em 1803, representam um grandioso festival ateniense, o das Panateneias, que Parménides e Zenão tinham presenciado na época em que se iniciavam as obras de construção. Quando o programa de Péricles se completou, Atenas não tinha rival no mundo inteiro no que dizia respeito à arquitectura e à escultura. Atenas também tinha a primazia no teatro e na literatura. Ésquilo, que tinha combatido nas guerras pérsicas, foi o grande autor na área da tragédia; trouxe para o palco os heróis e heroínas da épica homérica, e a sua reconstituição do regresso e assassinato de Agaménon ainda nos fascina e horroriza. Ésquilo levou também à cena as catástrofes mais recentes de que o rei Xerxes tinha sido vítima. Dramaturgos mais novos, como o conservador e piedoso Sófocles e o mais radical e céptico Eurípedes, estabeleceram os padrões do teatro trágico. As peças de Sófocles acerca do rei Édipo, assassino de seu pai e esposo de sua mãe, e o retrato que Eurípedes faz de Medeia, assassina de crianç as, não só fazem parte do reportório do século XX, como ainda perturbam a mentalidade contemporânea. A historiografia propriamente dita começou também neste século, tendo as Crónicas das Guerras Pérsicas, de Heródoto, sido redigidas nos primeiros anos do século, e a narração que Tucídides faz da guerra entre os gregos, nos últimos. "

Anthony Kenny "História concisa da filosofia ocidental" p.45,46 e 47