Carolyn Drake, Vallejo, Califórnia
“Se, pois, para as coisas que fazemos existe um fim que
desejamos por ele mesmo e tudo o mais é desejado no interesse desse fim; e se é
verdade que nem
toda coisa desejamos com vistas em outra (porque, então, o
processo se repetiria ao infinito, e inútil e vão seria o nosso desejar),
evidentemente tal fim será o bem, ou antes, o sumo bem. (…)
Ora, nós chamamos aquilo que merece ser buscado por si mesmo
mais absoluto do que aquilo que merece ser buscado com vistas em outra coisa, e
aquilo que nunca é desejável no interesse de outra coisa mais absoluto do que
as coisas desejáveis tanto em si mesmas como no interesse de uma terceira; por
isso chamamos de absoluto e incondicional aquilo que é sempre desejável em si
mesmo e nunca no interesse de outra coisa.
Ora, esse é o conceito que preeminentemente fazemos da
felicidade. É ela procurada sempre por si mesma e nunca com vistas em outra
coisa, ao passo que à honra, ao prazer, à razão e a todas as virtudes nós de
fato escolhemos por si mesmos (pois, ainda que nada resultasse daí,
continuaríamos a escolher cada um deles); mas também os escolhemos no interesse
da felicidade, pensando que a posse deles nos tornará felizes. A felicidade,
todavia, ninguém a escolhe tendo em vista algum destes, nem, em geral, qualquer
coisa que não seja ela própria.”
(…)
“Porque pode existir o estado de ânimo sem produzir nenhum
bom resultado, como no homem que dorme ou que permanece inativo; mas a
atividade virtuosa, não: essa deve necessariamente agir, e agir bem. E, assim
como nos Jogos Olímpicos não são os mais belos e os mais fortes que conquistam
a coroa, mas os que competem (pois é dentre estes que hão de surgir os
vencedores), também as coisas nobres e boas da vida só são alcançadas pelos que
agem retamente. Sua própria vida é aprazível por si mesma. Com efeito, o prazer
é um estado da alma, e para cada homem é agradável aquilo que ele ama: não só
um cavalo ao amigo de cavalos e um espetáculo ao amador de espetáculos, mas
também os atos justos ao amante da justiça e, em geral, os atos virtuosos aos
amantes da virtude. Ora, na maioria dos homens os prazeres estão em conflito
uns com os outros porque não são aprazíveis por natureza, mas os amantes do que
é nobre se comprazem em coisas que têm aquela qualidade; tal é o caso dos atos
virtuosos, que não apenas são aprazíveis a esses homens, mas em si mesmos e por
sua própria natureza. Em consequência, a vida deles não necessita do prazer
como uma espécie de encanto adventício, mas possui o prazer em si mesma. Pois
que, além do que já
dissemos, o homem que não se regozija com as ações nobres
não é sequer bom; e ninguém chamaria de justo o que não se compraz em agir com
justiça, nem liberal o que não experimenta prazer nas ações liberais; e do
mesmo modo em todos os outros casos. Sendo assim, as ações virtuosas devem ser
aprazíveis em si mesmas. Mas são, além disso, boas e nobres, e possuem no mais
alto grau cada um destes atributos, porquanto o homem bom sabe aquilatá-los
bem; sua capacidade de julgar é tal como a descrevemos. A felicidade é, pois, a
melhor, a mais nobre e a mais aprazível coisa do mundo, e esses atributos não
se acham separados como na inscrição de Delos:
Das coisas a mais nobre é a mais justa, e a
melhor é a saúde; Mas a mais doce é alcançar o que amamos.
Com efeito, todos
eles pertencem às mais excelentes atividades; e estas, ou então, uma delas — a
melhor —, nós a identificamos com a felicidade. E no entanto, como dissemos13,
ela necessita igualmente dos bens exteriores; pois é impossível, ou pelo menos
não é fácil, realizar atos nobres sem os devidos meios."
Aristóteles, Ética a Nicómaco,1073-1098
1 comentário:
Beleza! Mas todo bem é instrumental. Serve para algo. Se pensarmos apenas em termos de vida terrena, ou seja, não existindo vida pós-morte, toda virtude é vã, pois se não há punição nem galardão pós-morte, de nada vale a vida e os bens e valores valorizáveis aqui. A virtude, o fazer o bem, só tem consistência e razão de ser se houver atividade pós-morte. Sem isso, o ideal seria agir na animalidade humana no mais alto grau.
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