David Seymour
Os exemplos mais óbvios de revoluções científicas são
aqueles episódios famosos do desenvolvimento científico que, no passado, foram
frequentemente rotulados de revoluções. Por isso, nos Caps. 8 e 9, onde pela
primeira vez a natureza das revoluções científicas é diretamente examinada, nos
ocuparemos repetidamente com os momentos decisivos essenciais do desenvolvimento
científico associado aos nomes de Copérnico, Newton, Lavoisier e Einstein. Mais
claramente que muitos outros, esses episódios exibem aquilo que constitui todas
as revoluções científicas, pelo menos no que concerne à história das ciências
físicas. Cada um deles forçou a comunidade a rejeitar a teoria científica
anteriormente aceite em favor de uma outra incompatível com aquela. Como consequência,
cada um desses episódios produziu uma alteração nos problemas à disposição do
escrutínio científico e nos padrões pelos quais a profissão determinava o que
deveria ser considerado como um problema ou como uma solução de problema
legítimo. Precisaremos descrever as maneiras pelas quais cada um desses
episódios transformou a imaginação científica, apresentando-os como uma
transformação do mundo no interior do qual era realizado o trabalho científico.
Tais mudanças, juntamente com as controvérsias que quase sempre as acompanham,
são características definidoras das revoluções científicas.(…)
Teoria e fato científicos não são categoricamente
separáveis, exceto talvez no interior de uma única tradição da prática
científica normal. É por isso que uma descoberta inesperada não possui uma
importância simplesmente fatual. O mundo do cientista é tanto qualitativamente
transformado como quantitativamente enriquecido pelas novidades fundamentais de
fatos ou teorias. Esta conceção ampliada da natureza das revoluções científicas
é delineada nas páginas seguintes. Não há dúvida de que esta ampliação força o
sentido costumeiro da conceção. Não obstante, continuarei a falar até mesmo de
descobertas como sendo revolucionárias. Para mim, o que faz a conceção ampliada
tão importante é precisamente a possibilidade de relacionar a estrutura de tais
descobertas com, por exemplo, aquela da revolução copernicana. A discussão
precedente indica como serão desenvolvidas as noções complementares de ciência
normal e revolução científica nos nove capítulos imediatamente seguintes. O
resto do ensaio tenta equacionar as três questões centrais que sobram. Ao
discutir a tradição do manual, o Cap. 10 examina por que as revoluções
científicas têm sido tão dificilmente reconhecidas como tais. O Cap. 11
descreve a competição revolucionária entre os defensores da velha tradição
científica normal e os partidários da nova. Desse modo o capítulo examina o
processo que, numa teoria da investigação científica, deveria substituir de
algum modo os procedimentos de falsificação ou confirmação que a nossa imagem
usual de ciência tornou familiares. A competição entre segmentos da comunidade
científica é o único processo histórico que realmente resulta na rejeição de uma
teoria ou na adoção de outra. Finalmente, o Cap. 12 perguntará como o desenvolvimento
através de revoluções pode ser compatível com o caráter aparentemente ímpar do
progresso científico. Todavia, este ensaio não fornecerá mais do que os
contornos principais de uma resposta a essa questão. Tal resposta depende das
características da comunidade científica, assunto que requer muita exploração e
estudo adicionais. Sem dúvida alguns leitores já se terão perguntado se um estudo
histórico poderá produzir o tipo de transformação concetual que é visado aqui.
Um arsenal inteiro de dicotomias está disponível, sugerindo que isso não pode
ser adequadamente realizado dessa maneira. Dizemos muito frequentemente que a
História é uma disciplina puramente descritiva. Contudo, as teses sugeridas acima
são frequentemente interpretativas e, algumas vezes, normativas. Além disso,
muitas das minhas generalizações dizem respeito à sociologia ou à psicologia
social dos cientistas. Ainda assim, pelo menos algumas das minhas conclusões
pertencem tradicionalmente à Lógica ou à Epistemologia. Pode até mesmo parecer
que, no parágrafo anterior, eu tenha violado a muito influente distinção
contemporânea entre o “contexto da descoberta” e o “contexto da justificação”.
Pode algo mais do que profunda confusão estar indicado nesta mescla de diversas
áreas e interesses? Tendo-me formado intelectualmente a partir dessas e de
outras distinções semelhantes, dificilmente poderia estar mais consciente de
sua importância e força. Por muitos anos tomei-as como sendo a própria natureza
do conhecimento. Ainda suponho que, adequadamente reelaboradas, tenham algo
importante a nos dizer. Todavia, muitas das minhas tentativas de aplica-las,
mesmo grosso modo, às situações reais nas quais o conhecimento é obtido, aceite
e assimilado, fê-las parecer extraordinariamente problemáticas. Em vez de serem
distinções lógicas ou metodológicas elementares, que seriam anteriores à
análise do conhecimento científico, elas parecem agora ser partes de um
conjunto tradicional de respostas substantivas às próprias questões a partir
das quais elas foram elaboradas. Essa circularidade não as invalida de forma
alguma. Mas torna-as parte de uma teoria e, ao fazer isso, sujeita-as ao mesmo
escrutínio que é regularmente aplicado a teorias em outros campos. Para que
elas tenham como conteúdo mais do que puras abstrações, esse conteúdo precisa
ser descoberto através da observação. Examinar-se-ia então a aplicação dessas
distinções aos dados que elas pretendem elucidar. Como poderia a História da
Ciência deixar de ser uma fonte de fenómenos, aos quais podemos exigir a
aplicação das teorias sobre o conhecimento?
Thomas Kuhn, A estrutura das revoluções científicas, p.26 a
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