Quando falamos da ação de um ácido sobre um corpo, por
exemplo deste sumo de limão sobre este pedaço de açúcar, estamos a utilizar uma
metáfora: o sumo de limão não é um ator, o sumo de limão não visa dissolver o
açúcar. Se não há dúvidas de que o ser humano é um excelente candidato ao
título de agente ou de ator, e que o vento, as cadeiras ou as pedras jamais o
poderão ser, que dizer em relação à possibilidade de existirem outros
candidatos não humanos credíveis? Contrariamente a uma longa tradição
filosófica que reserva a intencionalidade para o homem, parece ser um dado
adquirido que também os animais (pelo menos alguns) são entidades capazes de
ação. Aos olhos da maioria dos homens, parece não restarem dúvidas de que também
os símios, os burros ou as girafas são criaturas agentes. Outras entidades,
como os extraterrestres, no caso de existirem, podem ser considerados possíveis
candidatos. O critério discriminativo parece repousar sobre a diferença entre a
noção de finalidade e a noção de função. Um ator é uma entidade que tem consciência
de um objetivo. Um pseudoator é um objeto ou substância que se limita a cumprir
uma função, sem que tenha consciência de um objetivo. Tomemos o exemplo de uma
torradeira Mitos outros exemplos poderiam ser dados) , é óbvio que este
utensílio tem por função torrar o pão. No entanto, não podemos atribuir-lhe o
objetivo de torrar o pão. Uma torradeira não é um ator. Esta distinção entre
objetivo e função permite reduzir a extensão da noção de ator, assim como
excluir um bom número de candidatos ilegítimos, como é o caso das algas e dos
termóstatos, e isto sem que se reserve para o homem o título de agente ou
ator. (…) é a intenção que permite
estabelecer uma distinção entre o conceito de objetivo, que a pressupõe e o
conceito de função, que a exclui.
Stéphane Ferret, Aprender com as coisas, Lisboa, 2007, Asa, p.85 e 86
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