Ainda há pouco disse que neste argumento cosmológico se ocultava todo um
ninho de pretensões dialéticas, que a crítica transcendental facilmente
pode descobrir e destruir. Vou limitar-me a citá-las, por agora, e
deixo ao leitor já exercitado a tarefa de investigar e anular esses
princípios ilusórios.
Aí se encontra por exemplo: 1. o princípio transcendental que do
contingente nos faz inferir uma causa, princípio que só tem significado
no mundo sensível, mas que já não tem sentido fora desse mundo. Com
efeito, o conceito puramente intelectual do contingente não pode
produzir nenhuma proposição sintética como a da causalidade, e o
princípio desta só no mundo sensível encontra significação e critério
para a sua aplicação; aqui, porém, deveria precisamente servir para sair
do mundo sensível. 2. O raciocínio que consiste em concluir, da
impossibilidade de uma série infinita de causas sobrepostas dadas no
mundo sensível, uma causa primeira; o que nem os princípios do uso da
razão autorizam na própria experiência, quanto mais tornar extensivo
este princípio para além dela (até onde esta cadeia não pode
prolongar-se). 3. A falsa satisfação da razão consigo mesma em relação
ao acabamento desta série, em virtude de pôr enfim de lado toda a
condição, sem a qual todavia não pode ter lugar nenhum conceito de
necessidade; como então nada mais se pode compreender, considera-se isto
como o acabamento do seu conceito. 4. A confusão da possibilidade
lógica de um conceito de toda a realidade reunida (sem contradição
interna) com a possibilidade transcendental; ora esta última, para
operar uma síntese desse gênero, requer um princípio que, por sua vez,
só pode aplicar-se no campo das experiências possíveis, etc.
Immanuel Kant, Crítica da razão pura
Tradução: Manuela Pinto dos Santos e Alexandre Fradique Morujão
Edição: Fundação Calouste Gulbenkian, 5. ed, Lisboa,1985, p.507,508
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