quarta-feira, outubro 09, 2019

A filosofia como ciência ainda por amadurecer





AQSAI, LAKE CHAQMAQTIN, LITTLE PAMIR. Expedition walking along frozen Lake Chaqmaqtin. © Frédéric Lagrange

A filosofia não é algo que nos seja completamente estranho. Está omnipresente nas nossas vidas, de maneiras triviais e importantes. Porém, o que é a filosofia? O que procuram os filósofos alcançar?
Tradicionalmente, os filósofos quiseram compreender a natureza de tudo, de um modo muito geral: a existência e a inexistência, a possibilidade e a necessidade, o mundo do senso comum, o mundo da ciência natural, o mundo da matemática, as partes e os todos, espaço e tempo, causa e efeito, mente e matéria. Querem compreender a nossa compreensão ela mesma; o conhecimento e a ignorância, a crença e a dúvida, a aparência e a realidade, a verdade e a falsidade, o pensamento e a linguagem, a razão e a emoção. Querem compreender e ajuizar o que fazemos com essa compreensão: ação e intenção, meios e fins, bem e mal, correto e incorreto, facto e valor, prazer e dor, beleza e fealdade, vida e morte, e mais. A filosofia é superambiciosa.

Esta breve descrição coloca uma pergunta óbvia: uma vez que os cientistas estudam muitos destes tópicos, como se relaciona a filosofia com a ciência? Estas nem sempre estiveram separadas. Desde os antigos gregos, a filosofia incluía a filosofia natural, o estudo do mundo natural. Abreviando, ao longo dos séculos XVI e XVII, a filosofia natural transformou-se em algo reconhecível como a ciência natural no sentido moderno, especialmente a física. Pioneiros como Galileu e Newton ainda se descreviam a si próprios como filósofos naturais. Alguns filósofos eram também cientistas e matemáticos, inclusive Descartes e Leibniz. Contudo, a filosofia natural, ou ciência natural, desenvolveu uma metodologia particular, conferindo um papel crucial à experimentação, à observação exata através de instrumentos especiais como os telescópios e microscópios, à medição e ao cálculo. Cada vez mais esta filha da filosofia se foi assemelhando a uma rival e a uma ameaça mortal à sua progenitora. (…)  Se é um duelo, a filosofia parece em desvantagem, pois dispõe apenas do pensamento, ao passo que a ciência natural tem também aqueles outros métodos. Se os filósofos insistirem que são melhores a pensar, quem acreditará neles? Mudando a metáfora, ao filósofo é dado o papel do preguiçoso que discursa para nós, a partir do conforto da sua poltrona, acerca de como o universo deve ser, ao passo que o cientista sai para observar e ver como realmente é. Se isto for verdade, não será a filosofia obsoleta? Assim, o surgimento da ciência natural provocou uma lenta crise do método filosófico.

Muita da história da filosofia subsequente pode ser interpretada como uma série de reações a esta crise do método; tentativas de encontrar algo, qualquer coisa; que os métodos filosóficos possam fazer melhor que os métodos científicos. (…).

A meu ver, a suposta oposição entre filosofia e ciência parte de uma conceção excessivamente limitada, de modelo único, da ciência. Afinal, a matemática é tão científica quanto as ciências naturais como a física, a química, e a biologia, as quais se apoiam constantemente naquela, e no entanto os matemáticos não fazem experiências. Como os filósofos podem trabalhar sentados numa poltrona. Os métodos que os filósofos usam são os métodos científicos apropriados para responder às sua questões. Como a matemática a filosofia é uma ciência não natural. Ao contrário da matemática, não chega a ser uma ciência plenamente madura.


Timothy Williamson, Filosofar. Da curiosidade comum ao raciocínio lógico, Lisboa, Gradiva,2019,  p.13,14 e 15,

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