Escultura de Blaise Pascal, Augustin Pajou (1730–1809), Louvre
Se existe um Deus, ele é infinitamente incompreensível, visto que não tendo partes nem limites, ele não tem relação conosco. Portanto, somos incapazes de saber o que é ou se é. No entanto, quem se atreverá a resolver esta questão? Não somos nós que não temos nada a ver com ele. Quem culpará os cristãos por não serem capazes de justificar a sua afirmação, aqueles que professam uma religião da qual não podem dar qualquer justificação? Eles declaram, expondo ao mundo, que isso é um absurdo, stultitiam: e então todos reclamam do que eles não provam. Se provassem o que dizem, não manteriam a sua palavra. É na falta de provas que ganham sentido.
- Sim, mas embora isso desculpe aqueles que assim oferecem a sua crença, e lhes tire a culpa de produzi-la sem razão, não isenta aqueles que a recebem.
Examinemos então este ponto dizendo: Deus é ou não é. Mas para que lado nos vamos inclinar? A razão não pode determinar nada. Existe um caos sem fim que nos separa. Um jogo está sendo jogado no final desta distância infinita, onde se sairá com cruz ou coroa. O que vamos apostar? Racionalmente não o podemos fazer.Não há razões para defender um ou outro.
Não acuseis, pois, de falsidade os que fizeram uma escolha, pois nada sabeis disso. "Não: mas, acusa-los-ei de terem feito, não essa escolha, mas uma escolha; porque, tanto o que prefere coroa ou o outro que prefere cruz, estão ambos em falta: o justo é não apostar".
Sim, mas é preciso apostar: não é voluntário; sois obrigados a isso; (e apostar que Deus é, ou apostar que ele não é). Que escolha fareis, pois? Vejamos, já que é preciso escolher, vejamos o que menos vos interessa: tendes duas coisas a perder, o verdadeiro e o bem, e duas coisas que devem ser comprometidas no jogo, a razão e a vontade, o conhecimento e a beatitude; e duas coisas que evitar, o erro e a miséria. A razão não é atingida, pois que é preciso, necessariamente, escolher, escolhendo um dentre os dois. Eis um ponto liquidado; mas, e a vossa beatitude?
Pesemos o ganho e a perda, preferindo coroa, que é Deus. Estimemos as duas hipóteses: se ganhardes, ganhareis tudo; se perderdes, nada perdereis. Apostai, pois, que ele é, sem hesitar. Isso é admirável: sim, é preciso apostar, mas, talvez eu aposte demais.
Vejamos. Uma vez que é tal a incerteza do ganho e da perda, se só tivésseis que apostar duas vidas por uma, ainda poderíeis apostar. Mas, se devessem ser ganhas três, seria preciso jogar (desde que tendes necessidade de jogar) e seríeis imprudente quando, forçado a jogar, não arriscásseis vossa vida para ganhar três num jogo em que é tamanha a incerteza da perda e do ganho. Há, porém, uma eternidade de vida e de felicidade; e, assim sendo, se houvesse uma infinidade de probabilidades, das quais somente uma fosse para vós, ainda teríeis razão em apostar um para ter dois, e agiríeis mal, quando obrigados a jogar, se recusásseis jogar uma vida contra três num jogo em que, numa infinidade de probabilidades, há uma para vós, havendo uma infinidade de vida infinitamente feliz que ganhar. Mas, há aqui uma infinidade de vida infinitamente feliz que ganhar, uma probabilidade de ganho contra uma porção finita de probabilidades de perda, e o que jogais é finito. Jogo é jogo: sempre onde há o infinito e onde não há infinidade de probabilidades de perda contra a de ganho, não há que hesitar, é preciso dar tudo; e, assim, quando se é forçado a jogar, é preciso renunciar à razão, para conservar a vida e não arriscá-la pelo ganho infinito tão prestes a chegar quanto a perda do nada.
Por conseguinte, de nada serve dizer que é incerto ganhar-se e que é certo arriscar-se, e que a infinita distância entre a certeza do que se expõe e a incerteza do que se deve ganhar iguala o bem finito, que certamente se expõe, ao infinito incerto. Não é assim: todo jogador arrisca com certeza para ganhar incertamente o finito, sem pecar contra a razão. Não há infinidade de distância entre essa certeza do que se expõe e a incerteza do ganho; isso é falso. Há, na verdade, infinidade entre a certeza de ganhar e a certeza de perder. Mas, a incerteza de ganhar é proporcional à certeza do que se arrisca, segundo a proporção das probabilidades de ganho e de perda; de onde se conclui que, havendo tantas probabilidades de um lado como do outro, a aposta deve ser igual; e, então, a certeza do que se expõe é igual à incerteza do ganho; bem longe está de ser infinitamente distante. E, assim, a nossa proposição é de uma força infinita, quando há o finito que arriscar num jogo em que há tantas probabilidades de ganho como de perda, e o infinito que ganhar. Isso é demonstrativo; e, se os homens são capazes de algumas verdades, essa é uma delas.
Pascal, Pensées, Artigo II, eBookLibris, Brasil
Tradução Nélson Jahr Garcia, revista por Helena Serrão