sexta-feira, setembro 30, 2022

A especificidade do pensar filosófico


Joan Miró, O carnaval do Arlequim, 1925

O núcleo constituinte do filosofar como tarefa organiza-se em torno da atividade do pensar.

De dentro do real – e como ingrediência dele – pensamos, recortando na totalidade deveniente em que lateja focos e objetos de interesse, demandando inteligibilidade e saber, antecipando possibilidades e computando estratégias, operando um seu processamento apontado a uma apropriação refletida da concreção dinâmica do ser.
De dentro do real pensamos, sempre mediados, e intermediados, pela presença, próxima e remota, do outro e de outrem – no espaço-tempo material de uma convivialidade e de uma cultura onde as interações (da comunhão e do diálogo ao conflito e à contradição) formam o elemento em que se geram e determinam conteúdos, posições, perguntas.
De dentro do real pensamos, sofrendo o peso e as vicissitudes do poder que sobre nós exerce, mas também intervindo nele pela descoberta dos seus meandros, pela sondagem do seu teor, pelo surpreender dos leques de possíveis que adiante de si projeta – na unidade dialética de um processo que nasce de, acompanha e perspetiva práticas de transformação.
Em termos de especificidade, o pensar filosófico desenha-se e inscreve-se no real: estabelecendo questionários que rompem a carapaça rígida da imediatez na aparência intransponível; desenvolvendo a vigilância crítica que permite revelar a complexidade e contraditoriedade de que o ser se tece e entretece; buscando o registo da fundamentação que nos desvenda a bateria de supostos e estruturas que comandam a fenomenalização deveniente e as suas rotas de futuro; inquirindo o horizonte de possibilidades que cada existência, a um tempo, obnubila e prepara.

Do ponto de vista subjetivo, o pensar – e mormente o pensar filosófico – requer, concita, mobiliza um exercício autónomo: o pensar por si próprio.

José Barata-Moura, Filosofia: É cousa de escrever?

Contrariamente aos textos de certos “filósofos” de divulgação  como Warburton ou Nagel que monopolizam o mercado dos textos de introdução à Filosofia com uma linguagem pobre e reduzida às palavras e exemplos mais banais, aqui o meu velho professor Barata Moura parece ser opaco e difícil no seu fraseamento mas desperta novas interpretações e modulações mais ricas e estimulantes do que o facilitismo desses textos que são , infelizmente, uma peste. Considero que temos de resistir ao totalitarismo de uma certa forma de escrever típica dos filósofos anglo-saxónicos.  A verdade é que estão em todo o lado,  contagiam o universo dos professores e dos manuais escolares como um vírus de consequências nefastas dado o seu tom paternalista e um pouco infantil. Não há nada como parar para descobrir que afinal há palavras cujos sentidos são adequados embora nos façam ir a correr para os dicionários ( na hipótese internética, para o Priberam e outros dicionários na rede) procurando o seu significado.

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