Pierre-Auguste Renoir, O almoço dos barqueiros (1881), França
“Podemos começar por observar como a reflexão moral surge
naturalmente de um encontro com uma questão moral difícil. Podemos partir de uma
opinião ou convicção sobre o que é certo fazer: “Desviar o elétrico para outra
linha.” Depois refletimos na razão da nossa convicção e procuramos o princípio
em que se baseia: “É melhor sacrificar uma vida para evitar que muitos morram”.
De seguida, confrontados com uma situação que ameaça o princípio, somos
atirados para a confusão: “Pensei que era sempre certo salvar o maior número de
vidas possível, mas parece-me errado empurrar o homem da ponte (…)”. Sentir a
força desta confusão, bem como a pressão para resolvê-la, é o impulso para a
filosofia.
Confrontados com esta tensão, podemos rever o nosso juízo sobre o que é certo fazer ou repensar o princípio que propusemos inicialmente. À medida que vamos encontrando novas situações, movimentamo-nos entre os nossos juízos e os nossos princípios, revendo os primeiros à luz dos segundos e vice-versa. A reflexão moral consiste neste movimento do pensamento: ir do mundo da ação para a esfera das razões, e depois regressar ao primeiro.
Esta forma de conceber a argumentação moral, como uma dialética entre os nossos juízos sobre situações particulares, e os princípios que afirmamos refletidamente, tem uma grande tradição. Recua aos diálogos de Sócrates e à filosofia moral de Aristóteles. Mas, apesar da sua longa linhagem, está sujeita à seguinte objeção: Se a reflexão moral consiste em procurar um ajuste entre os juízos que fazemos e os princípios que afirmamos, como poderá levar-nos à justiça ou à verdade moral? Mesmo que, ao longo da vida, consigamos por as nossas intuições morais de acordo com os princípios que aceitamos, como poderemos confiar que o resultado seja mais que um emaranhado consistente de preconceitos?
A resposta é que a reflexão moral é uma atividade pública, não uma ocupação solitária. Exige um interlocutor: um amigo, um vizinho, um colega, um concidadão. Por vezes o interlocutor pode ser imaginário, como quando discutimos connosco mesmos. Mas não podemos descobrir o significado da justiça ou a melhor forma de viver apenas por introspeção.
Michael J. Sandel, Justiça: o que será certo fazer? Lisboa, Presença, pp. 28-29