“Tive de
acabar por deixar as estradas escondidas entre as árvores e fazer o meu melhor
para atravessar as cidades, como Hartford e Providence, que são grandes
cidades, afadigando-se nas fábricas, enxameando de trânsito. Leva muito mais
tempo a atravessar as cidades do que a percorrer várias centenas de milhas. E
no intrincado esquema de trânsito, enquanto tentamos encontrar o caminho
através delas, não há possibilidade de vermos nada. Mas agora que atravessei
centenas de cidadezinhas e de grandes cidades com todos os climas e em toda a
espécie de cenários, claro que são todas diferentes e que as pessoas têm pontos
de diferença, mas em alguma coisa são todas iguais. As cidades americanas são
como buracos de texugo, rodeadas, todas elas, de retalho, cercadas por pilhas
de automóveis a enferrujar, e quase asfixiadas em refugo. Tudo quanto usamos
vem em caixas, caixinhas e caixotes, as chamadas embalagens de que tanto
gostamos. Os montes de coisas que deitamos fora são muito maiores do que as coisas
que usamos. Nisto, se não por outro meio, podemos ver a exuberância desenfreada
e perdulária da nossa produção, e o desperdício parece ser o seu índice. Seguindo
o meu caminho, pensava como em França e na Itália cada uma destas coisas
deitada fora seria guardada e aproveitada para alguma coisa. Isto não é dito
como crítica de um sistema ou do outro, mas pergunto a mim mesmo se não virá um
tempo em que já não possamos permitir-nos o nosso desperdício – desperdícios químicos
nos rios, desperdícios de metais por toda a parte, e desperdícios atómicos
profundamente sepultados na terra ou afundados no mar. Quando uma aldeia índia
ficava demasiado enterrada na sua própria imundice, os habitantes mudavam de
lugar. Mas nós não temos lugar para onde mudar.
John Steinbeck, Viagens com o Charlie, livros do Brasil, Lx
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