sábado, julho 22, 2023

Sobre a poesia




                               Fotografia: Philip Jones Griffiths, Norte da Irlanda, 1965

 …se a arte só pertence ao raro e puro génio, mesmo uma pessoa mediana em tudo, se está, com efeito, estimulada por uma forte impressão ou qualquer súbita inspiração do seu espírito, poderá compor uma bela ode, visto que para isso só precisa de uma viva intuição dos seus próprios sentimentos num momento de exaltação. Bastam, para o provar, todos esses cantos líricos de indivíduos que permanecem aliás desconhecidos, especialmente as canções populares alemães, de que temos uma excelente recolha no Wunderhorn,e também essas inúmeras canções de amor e outras, em todas as línguas. Com efeito, agarrar uma impressão do momento, e dar-lhe corpo num canto, eis em que consiste este género de poesia. Entretanto, na poesia lírica, se se encontra um verdadeiro poeta, , ele exprime na sua obra a natureza íntima da humanidade inteira. Tudo o que milhões de seres passados, presentes e futuros, sentiram ou hão de sentir nas mesmas situações que reaparecem sem cessar, ele sente-o e exprime-o vivamente. Essas situações, pelo seu eterno retorno, duram tanto quanto a própria humanidade e provocam sempre os mesmos sentimentos. Igualmente, as produções líricas do verdadeiro poeta subsistem, durante séculos, vivas, verdadeiras e jovens. O poeta é, portanto, o resumo do ser humano em geral: tudo o que alguma vez fez bater um coração humano, tudo o que a natureza humana, numa circunstância qualquer, fez brotar para fora de si, tudo o que alguma vez habitou e amadureceu num peito humano – tal é a matéria que ele trabalha, como trabalha todo o resto da natureza. Além disso, o poeta é igualmente capaz de cantar a volúpia e os assuntos místicos, de ser Anacreonte ou Angelus Silesius, de escrever tragédias ou comédias, de esboçar um carácter elevado ou comum, conforme o seu capricho ou a sua vocação. É por isso que ninguém lhe pode prescrever ser nobre e elevado, moral, piedoso, cristão, ou isto ou aquilo; ainda menos se lhe pode censurar ser isto ou aquilo. Ele é o espelho da humanidade, e traz-lhe à consciência todos os sentimentos de que ela está cheia e animada.

 Arthur Schopenhauer, O mundo como vontade e representação, Lx,2021, Ed 70, p.313,314

Trad. M.F. Sá Correia

 

Sem comentários: