É preciso dizer que ela (a nova nomenclatura) responde
verdadeiramente a uma necessidade urgente de escapar ao caos das denominações
múltiplas (…) Mesmo se os autores se mostram cuidadosos em assegurar uma
continuidade ao conservarem os nomes do passado que não veiculam ideias falsas,
a reforma é uma verdadeira revolução porque introduz um novo espírito. É mais
um “método para nomear” que uma nomenclatura. O princípio de base é uma lógica
da composição: constituir um alfabeto de palavras simples para designar as
substâncias simples, depois designar as substâncias compostas por palavras
compostas, formadas pela justaposição de palavras simples (…)
O método mostrou o seu valor: dois séculos mais tarde, com
alguns arranjos de permeio, continua em vigor. A nomenclatura é o elemento
essencial que metamorfoseia a revolução química em formação. Não é apenas o
manifesto de uma escola, é uma nova teoria química. Ela esvazia a tradição por
um duplo efeito de rutura. Rutura irreversível com o passado: numa geração, os
químicos esquecem a sua língua natural forjada por séculos de uso. Os textos
pré-lavoisierianos, tornam-se ilegíveis, são mergulhados numa obscura pré-história.
Rutura também no espaço social entre a química académica que se desenvolve no
quadro da nova nomenclatura e a química artesanal dos droguistas e perfumistas
que continuam a falar de espírito de sal, de vitríolo…Acabou-se o tempo da Enciclopédia
onde um químico como Venel podia dizer com orgulho que “a química tem o seu
próprio corpo e dupla língua, a popular e a científica”.
Michel Serres, Lavoisier: Uma revolução científica in História
das Ciências, Lisboa (1989) Terramar, p.p208,209
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