Andei algumas semanas entusiasmada com a escolha de um filme para mostrar
aos alunos. Tantos filmes vistos, mas poucos se enquadravam nas minhas
exigências. Queria um filme bom, e pus-me a magicar na qualidade dos filmes, O
que é um filme bom? Teria de reunir quatro condições: Eu ter gostado muito, era
a primeira; a segunda era comunicar bons valores. Fiquei meio envergonhada por
pensar de uma forma um tanto arcaica, bons filmes, bons valores...penso que
isto só de o escrever parece algo muito discutível, mas para mim é claro o que
são bons valores; são valores que não se limitam a ser materiais ou
utilitários, são valores como a lealdade, a confiança, a honestidade. Em
terceiro lugar teria de focar problemas da adolescência ou, de algum modo,
estar relacionado com a adolescência. Por fim, a quarta condição era mesmo um
filtro poderoso, o filme não podia exceder (muito)o tempo de uma aula
-90m-. A escolha recaiu sobre apenas dois filmes " O céu de Outubro"
e "Eduardo mãos de tesoura".
O primeiro filme era sobre um grupo de rapazes, numa vila de província
mineira. Todos com o estigma de terem de ser, mais tarde ou mais cedo,
mineiros. Um dia, nas aulas de Física e Química a professora lança um
repto, porque não concorrer a uma feira de de invenções que iria ocorrer, daí a
pouco tempo, na cidade mais perto? Os rapazes aceitam o desafio e lançam-se á
descoberta das leis da física através da construção de um foguete. Ganham o
concurso e uma porta de saída da vila se abre. Trata da lealdade, do espírito
de equipa, da perseverança.
O outro filme "Eduardo, mãos de tesoura", acabou por ser o eleito.
Bravo e arrojado, inventivo e, laçado pela poesia. Há uma estrada sinuosa que
leva a um castelo onde vive um rapaz inacabado, todo normal, menos nas mãos que
são tesouras. Abaixo do castelo uma comunidade onde tudo é normal, isto é, as
casas parecem-se, os automóveis, os hábitos, e nada acontece senão rotina. Como
irá esta comunidade aceitar o rapaz disforme? Primeiro encantada e depois,
quando ele exige para si alguma dignidade, feroz a negá-lo, feroz a afastar o
disforme.
O curioso deste Eduardo é que, embora inacabado (atenção que o Deep é
bonito, este disforme, é mais, um pouco esquisito) é excelentemente acabado no carácter, ele
é mais humano, no bom sentido do termo, que os outros cujo corpo é normal. O
desejo de normalidade é a mãe de todos os vícios. Ponto. Encanta-me.
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