sexta-feira, março 08, 2024

O imprevisto como um dos motores da ciência

 


Matt Black, Um fazendeiro revê os seus sistemas de rega, Georgia, EUA, 2017

Na ciência, (…) a novidade somente emerge com dificuldade (dificuldade que se manifesta através de uma resistência) contra um pano de fundo fornecido pelas expectativas. Inicialmente experimentamos somente o que é habitual e previsto, mesmo em circunstâncias nas quais mais tarde se observará uma anomalia. Contudo, uma maior familiaridade dá origem à consciência de uma anomalia ou permite relacionar o facto a algo que anteriormente não ocorreu conforme o previsto. Essa consciência da anomalia inaugura um período no qual as categorias conceptuais são adaptadas até que o que inicialmente era considerado anómalo se converta no previsto. Nesse momento completa-se a descoberta. Já insisti anteriormente sobre o fato de que esse processo (ou um muito semelhante) intervém na emergência de todas as novidades científicas fundamentais Gostaria agora de assinalar que, reconhecendo esse processo, podemos facilmente começar a perceber por é que a ciência normal — um empreendimento não dirigido para as novidades e que a princípio tende a suprimi-las — pode, não obstante, ser tão eficaz a provocá-las.

No desenvolvimento de qualquer ciência, admite-se habitualmente que o primeiro paradigma explica com bastante sucesso a maior parte das observações e experiências facilmente acessíveis aos praticantes daquela ciência. Em consequência, um desenvolvimento posterior requer geralmente, a construção de um equipamento elaborado, o desenvolvimento de um vocabulário e técnicas esotéricas, além de um refinamento de conceitos que se assemelham cada vez menos com os protótipos habituais do senso comum. Por um lado, essa profissionalização leva a uma imensa restrição da visão do cientista e a uma resistência considerável à mudança de paradigma. A ciência torna-se sempre mais rígida. Por outro lado, dentro das áreas para as quais o paradigma chama a atenção do grupo, a ciência normal conduz a uma informação detalhada e a uma precisão da integração entre a observação e a teoria que não poderia ser atingida de outra maneira. Além disso, esse detalhe e precisão da integração possuem um valor que transcende o seu interesse intrínseco, nem sempre muito grande. Sem os instrumentos especiais, construídos sobretudo para fins previamente estabelecidos, os resultados que conduzem às Mesmo quando os instrumentos especializados existem, a novidade normalmente emerge apenas para aquele que, sabendo com precisão o que deveria esperar, é capaz de reconhecer que algo está errado. A anomalia aparece somente contra o pano de fundo proporcionado pelo paradigma. Quanto maiores forem a precisão e o alcance de um paradigma, tanto mais sensível este será como indicador de anomalias e, consequentemente de ocasiões para a mudança de paradigma. No processo normal de descoberta, até mesmo a mudança tem uma utilidade que será mais amplamente explorada no próximo capítulo. Ao assegurar que o paradigma não, será facilmente abandonado, a resistência garante que os cientistas não serão perturbados sem razão.

Thomas Kuhn, A estrutura das revoluções científicas, (1962), S. Paulo, Editora Perspectivas,1998, p.90,91,92

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