Fotografia, Helen Bartlett, Londres
E é verdade. – Em vez de
mencionar algo que é comum a tudo o que chamamos de linguagem, eu afirmo que
essas manifestações nada têm em comum, ainda que para todas empreguemos a mesma
palavra, – mas estão mutuamente aparentadas de muitas formas diferentes.
E é devido a esse parentesco, ou a esses parentescos, que nós chamamos a todas essas
manifestações de “linguagem”. Vou tentar explicar isto.
Considera, por exemplo, os
processos a que chamamos de “jogos”. Quero dizer, jogos de tabuleiro, de carta,
com bola, de combate, etc. O que é que é comum a todos eles? – Não respondas: “Tem
que haver alguma coisa em comum, senão não se chamariam ‘jogos’” – mas olha,
para ver se têm alguma coisa em comum, – Porque, quando olhares para eles
não verás de facto o que toos têm em comum, mas parecenças, parentescos, e em
grande quantidade. Como foi dito: não penses, olha! – Olha, por exemplo, para os
jogos de tabuleiro com os seus múltiplos parentescos. A seguir considera os
jogos de cartas: encontras aqui muitas correspondências com a primeira classe,
mas desaparecem muitos traços comuns, outros aparecem. Se consideramos a seguir
os jogos de bola, então muitas coisas em comum ficam preservadas, mas muitas se
perdem. – São todos eles ‘divertidos’? Compara o xadrez com o jogo da
cabra cega. Ou há sempre perder e ganhar, ou uma competição entre os jogadores?
Pensa nos jogos de paciência. Nos jogos de bola há ganhar e perder; mas quando
uma criança atira a bola à parede e depois a apanha, este aspeto desaparece. Olha
para o papel que desempenham a habilidade e a sorte. O quão diferente que é a
habilidade no jogo de xadrez e no jogo de ténis. Pensa agora nos jogos de andar
à roda: Tem-se aqui divertimento, mas desaparecem muitos dos outros traços
característicos! E assim podemos percorrer muitos, muitos outros grupos de
jogos e ver surgir e desaparecer as suas parecenças.
E o resultado desta
investigação é o seguinte: vemos uma complicada rede de parecenças que se
sobrepõem e se cruzam mutuamente. Parecenças de conjunto e de pormenor. Eu não
poderia caracterizar melhor essas parecenças do que pela expressão “parecenças
de família”;39 porque as diversas parecenças entre os membros de uma
família: altura, traços faciais, cor dos olhos, andar, temperamento etc., etc. sobrepõem-se
e cruzam-se da mesma maneira – E eu direi: os ‘jogos’ constituem uma família.
(…) Como é que explicaríamos então a
uma pessoa o que é um jogo? Penso que lhe descreveríamos jogos, e
poderíamos acrescentar à descrição: “A isto, e a coisas parecidas chama-se
um ‘jogo’”.
Investigações filosóficas
(1953), Ludwig Wittgenstein, Lx, 2002, Fundação Calouste Gulbenkian, p.227,228,229
(Este texto resulta da comparação
entre a obra mencionada e a edição brasileira, tradução e notas João
José R. L. de Almeida)
Esta reflexão poderia aplicar-se a muitas palavras como "Arte"cujo conceito é vago e ilimitado, podendo até dizer-se que por não podermos selecionar características comuns a todas as manifestações artísticas, Arte seria uma palavra sem conceito, como jogo ou beleza, podemos descrever várias manifestações artísticas talvez porque não tendo todas a mesma característica, têm contudo uma parecença de família. Como a beleza, diz algo que nos é familiar, uma experiência que podemos descrever, mas que não podemos definir.
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