quinta-feira, abril 11, 2024

A semelhança de família

 


Pintura de Cecily Brown’s “No You for Me” (2013)


Um tema perene da filosofia ocidental desde que Platão tem sido a busca por definições. Os diálogos socráticos normalmente fazem uma pergunta – o que é justiça, o que é conhecimento, o que é beleza – e prosseguem mostrando, através de uma série de perguntas e respostas, que os interlocutores (apesar da confiança no seu conhecimento) não têm, de facto, uma compreensão clara dos conceitos envolvidos.

A suposição tácita é que o verdadeiro conhecimento de algo depende da capacidade para o definir, e é isso que aqueles que debatem com Sócrates (o porta-voz) não conseguem fazer. Mas isto apresenta-nos um paradoxo, aqueles que não conseguem fornecer uma definição de um determinado conceito são geralmente capazes de reconhecer o que não é, o que certamente exige que eles saibam, em algum nível, o que é. O conceito de arte confronta-nos exatamente com esse caso. Parece que sabemos o que é, mas lutamos para definir as condições necessárias e suficientes que têm de ocorrer para que algo conte como obra de arte.

Na nossa perplexidade, talvez seja natural perguntar se a tarefa de definição não é em si mal concebida: uma caça ao ganso selvagem cujo objetivo é identificar algo que se recusa veementemente a cooperar.

Uma saída para esse labirinto é fornecida pela noção de “semelhança de família” de Wittgenstein, que ele explica no seu livro publicado postumamente “Investigações Filosóficas”. Pegue-se na palavra “jogo”. Todos nós temos uma ideia clara do que são jogos: podemos dar exemplos, fazer comparações entre diferentes jogos, arbitrar casos limites, e assim por diante. Mas surgem problemas quando tentamos aprofundar e procurar algum significado ou definição essencial que englobe todas as instâncias. Pois não existe esse denominador comum: há muitas coisas que os jogos têm em comum, mas não há uma característica que todos compartilhem. Para abreviar, não há profundidade oculta ou significado essencial: a nossa compreensão da palavra é nem mais nem menos do que a nossa capacidade de usá-la adequadamente numa ampla gama de contextos.

Se supusermos que “arte”, assim como “jogo”, é uma palavra com uma “semelhança de família”, a maior parte de nossos as dificuldades evaporam. As obras de arte têm muitas coisas em comum com outras obras de arte: podem expressar as emoções interiores de um artista; podem destilar a essência da natureza; podem comover-nos, assustar-nos ou chocar-nos. Mas se olharmos para alguma característica que todas possuem, procuraremos em vão; qualquer tentativa de definir arte – definir um termo que é essencialmente fluido e dinâmico no seu uso – é mal concebido e fadado ao fracasso.

Tradução Helena Serrão

Ben Dupré, 50 philosophy ideas, London, 2007,Quercus, p.146,147

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