Concluímos, portanto, que a guerra não pertence ao domínio
das artes nem ao das ciências. Ela é mais precisamente parte da existência
social do homem. A guerra é um conflito de grandes interesses, que é resolvido
através do derramamento de sangue - que é a única maneira pela qual ela difere
de outros conflitos. Em vez de compará-la a uma arte, deveríamos compará-la com
maior precisão ao comércio, que também é um conflito de interesses e de
atividades humanas e que está ainda mais próximo da política que, por sua vez,
pode ser considerada uma espécie de comércio em maior escala. A política é,
além do mais, o útero em que se desenvolve a guerra - onde os seus contornos já
existem na sua forma rudimentar, como as características de criaturas vivas em
seus embriões.
A diferença essencial é que a guerra não é o uso da vontade
orientada para um objeto inanimado, como no caso das artes mecânicas, ou para
um corpo que seja animado, mas passivo e submisso, como é o caso da mente e das
emoções humanas nas belas artes. Na guerra, a vontade é orientada para um corpo
animado que reage. Deve ser óbvio que a codificação intelectual utilizada nas
artes e nas ciências é inadequada a uma atividade destas. Ao mesmo tempo, é
evidente que a luta contínua em busca de leis semelhantes às adequadas aos
domínios da matéria inanimada estava fadada a levar a um erro após o outro.
Apesar disto, eram exatamente as artes mecânicas que se esperava que a arte da
guerra imitasse. Era impossível imitar as belas artes, uma vez que eles mesmas
ainda não possuem suficientes leis e regras próprias. Até o momento, todas as
tentativas de formular qualquer uma têm sido consideradas excessivamente
limitadas e parciais, e têm sido constantemente solapadas e abolidas pelas
correntes de opinião, pela emoção e pelos costumes.
(…) Parte do propósito deste livro é verificar se um
conflito de forças vivas, como o que se desenvolve e é decidido na guerra,
continua sujeito a leis gerais, e se estas leis podem proporcionar um guia útil
para a ação. Uma coisa é evidente: esta questão, como qualquer outra que não
ultrapasse a capacidade intelectual do homem, pode ser esclarecida através de
uma mente investigadora, e a sua estrutura interna pode ser revelada até um
certo ponto. Somente isto é suficiente para transformar em realidade o conceito
da teoria.
Da guerra, CARL VON CLAUSEWITZ,
Tradução do inglês Carlos Nascimento
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