"A ideia de que os nossos estados conscientes são causados por acontecimentos neurológicos não é mera especulação. Realizam-se por vezes cirurgias cerebrais apenas com anestesia local, pelo que o paciente pode dizer ao cirurgião que experiências está a ter enquanto várias partes do seu cérebro são sondadas. Como vimos no Capítulo 6, esta técnica foi introduzida há mais de meio século pelo Dr. Wilder Penfield, que a descreveu vividamente no seu livro The Excitable Cortex in Conscious Man (1958). Desde então, os neurocirurgiões utilizam a técnica de Wilder. Sabem que, se sondarmos um lugar, o paciente sentirá um formigueiro na mão; se sondarmos outro lugar, o paciente sentirá o cheiro do alho; se sondarmos outro lugar ainda, ele pode ouvir uma canção dos Guns N' Roses.
Também é possível induzir acções com a estimulação eléctrica do cérebro. Jose Delgado, que desenvolveu a sua investigação na Universidade de Yale há quatro décadas atrás, descobriu que, estimulando várias regiões do cérebro, conseguia causar todos os tipos de movimentos corporais, incluindo franzir as sobrancelhas, abrir e fechar os olhos, mover a cabeça, os braços, as pernas e os dedos. Quando começou a experimentar este procedimento, usando gatos e macacos, reparou que os animais não se mostravam surpreendidos nem assustados quando o seu corpo se movia. Aparentemente, os animais sentiam os movimentos como se estes fossem voluntários. Num caso particular, a estimulação do cérebro de um macaco fê-lo levantar-se e andar. O efeito repetiu-se várias vezes, e em cada uma delas o animal começou a vaguear, sem surpresa nem desconforto, como se tivesse decidido passear um pouco.
Alguns filósofos diriam que o procedimento de Delgado não causa acções, mas apenas movimentos corporais. As acções implicam razões e decisão, e não apenas movimentos. Mas isto não é tudo. Quando Delgado fez a sua experiência com seres humanos, eles foram ainda mais complacentes do que os animais — além de terem realizado os movimentos sem surpresa nem medo, também deram razões para os terem realizado. Num paciente, a estimulação eléctrica do cérebro produziu "um virar de cabeça e um deslocamento lento do corpo para cada um dos lados numa sequência bem orientada e aparentemente normal, como se o paciente estivesse à procura de algo". Repetiu-se isto seis vezes ao longo de dois dias, o que confirmou que a estimulação produzia efectivamente o comportamento. Mas o paciente, que ignorava a estimulação eléctrica, considerava a actividade espontânea e justificava-a com razões. Quando lhe perguntavam "O que está a fazer?", ele respondia "Estou à procura dos meus chinelos", "Ouvi um barulho", "Estou impaciente" ou "Estava a olhar para debaixo da cama".
Será que as nossas decisões também são produzidas por disparos de neurónios? Há também alguns resultados experimentais sobre isto, que se devem ao cientista alemão H. H. Kornhuber. Suponha-se que ficamos quietos e que, durante o próximo minuto, vamos mover espontaneamente o dedo. Subjectivamente, podemos estar bastante certos de que a decisão de mover o dedo está inteiramente sob o nosso controlo. Mas suponha-se agora que nos ligam alguns eléctrodos ao couro cabeludo e nos pedem para repetir a acção. Um técnico que esteja a olhar para uma electroencenfalografia seria capaz de observar um padrão característico de actividade cerebral quando movemos o dedo. A actividade cerebral inicia-se um segundo e meio antes do movimento, e inicia-se antes de tomarmos a decisão. Olhando para o monitor, o técnico sabe assim que vamos mover o dedo antes de nós o sabermos. A uma escala reduzida, ele é como o observador perfeito de Laplace. Kornhuber realizou esta experiência pela primeira vez nos anos 70 do século passado.
James Rachels
Tradução de Pedro Galvão, retirado de Problemas da Filosofia, de James Rachels, (Lisboa: Gradiva - Colecção Filosofia Aberta, 2009, pp. 159-163)
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