terça-feira, agosto 12, 2025

 


As três destruições da Biblioteca de Alexandria podem parecer confortavelmente antigas, mas, infelizmente, a aversão aos livros é uma tradição firmemente enraizada na nossa História. A devastação nunca deixa de ser uma tendência. Como dizia uma vinheta de El Roto: “As civilizações envelhecem, as barbáries renovam-se.”

Na verdade, o século XX foi um século de aterrorizante bibliocastia ( as bibliotecas bombardeadas nas duas guerras mundiais, as fogueiras nazis, , os regimes censores, a revolução Cultural Chinesa, as purgas soviéticas, a Caça às Bruxas…) E o século XXI começou com a pilhagem consentida pelas tropas americanas, a museus e bibliotecas no Iraque, onde a escrita caligrafou o mundo pela primeira vez.

(…) O escritor bósnio Ivan Lovrenovic contou que, na longa noite de verão, Sarajevo brilhou  com o fogo que brotava de Vijecnica, o imponente edifício da Biblioteca nacional ao pé do rio Miljacka. Primeiro, vinte e cinco obuses incendiários atingiram o telhado, apesar das instalações estarem marcadas com bandeiras azuis para indicarem a sua condição de património cultural. Quando o resplendor – diz Ivan – alcançou proporções neronianas, começou um constante bombardeamento maníaco para impedir o acesso à Vijecnica. Desde as colinas que contemplavam a cidade, os atiradores furtivos disparavam contra os habitantes de Sarajevo, magros e esgotados, que saíam dos seus refúgios para tentarem salvar os livros. A intensidade dos ataques não permitiu a aproximação dos bombeiros. Por fim, as colunas mouriscas do edifício cederam, e as janelas explodiram para deixarem sair as chamas. Ao amanhecer tinham ardido centenas de milhares de volumes – livros raros, documentos da cidade, coleções inteiras de publicações, manuscritos, edições únicas. “Aqui não resta nada”, disse Vkekoslav, um bibliotecário.

Irene Vallejo, O infinito num junco, Lisboa, Bertrand, 2021, p.234,236

"Fahrenheit 451" temperatura a que ardem os livros, de Ray Bradbury. A realidade já ultrapassou, a ficção.