sexta-feira, outubro 17, 2025

Um novo livro para dizer nada

 


Evgeniy Maloletka, Mariupol, Ucrânia, Março 2022


“Na adolescência e no início da idade adulta, a necessidade de aceitação social é maior do que em qualquer outra fase da vida, a integração em grupos de amizade é crucial para o bem-estar psicológico e a pressão para se conformar é particularmente aguda. Pode ser socialmente muito caro para um estudante estar certo se a maioria estiver errada, pelo que é de esperar que as crenças sejam escolhidas acima de tudo com base no seu valor social. Para um académico, o desvio também pode ser dispendioso (impopularidade, cargos desfavoráveis, progressão mais lenta na carreira e no salário, etc.), especialmente porque a publicação de um artigo de investigação está geralmente condicionada à avaliação crítica dos pares, peritos anónimos no mesmo domínio. Por outras palavras, o valor do trabalho de um investigador depende, muitas vezes, diretamente da opinião de outros investigadores. Substituindo o trabalho de equipa pela complacência mútua e a investigação colectiva pela cumplicidade no privilégio, o sistema universitário, observava Revel em 1957, “consegue construir verdadeiros bastiões de estupidez, especialmente em literatura e filosofia, onde tudo é deixado à conceção que os detentores do poder têm do talento”. (…) Os erros, esses, não têm custos: Sowell observa que nunca nenhum académico foi despedido por defender uma teoria que, uma vez aplicada conduzia ao desastre. “ Os académicos não têm de prestar contas ao mundo exterior; é um princípio consagrado chamado “liberdade académica”, graceja. Nestas condições, é possível que alguns investigadores, com cérebros moldados pela evolução para parecerem bem em sociedade, trabalhem para defender as conclusões populares no seu meio, ou pelo menos para produzir trabalhos compatíveis com elas. É então fácil imaginar os múltiplos mecanismos que dão origem a um círculo vicioso suscetível de se autoalimentar; os indivíduos que têm um a priori favorável às opiniões dominantes num certo domínio integram-no de forma desproporcionada; os futuros professores investigadores são formados por orientadores de investigação comprometidos com essas ideias; os dissidentes optam por permanecer cautelosamente em silêncio, levando a maioria dócil a racionalizar as opiniões que lhes parecem não dominantes, mas únicas, e assim por diante.”

Samuel Fitoussi, Porque se enganam os intelectuais, Lx, 2025,Bertrand, pp 92 e 93

Aqui está um livro que incorre no mesmo tipo de erro que pretende imputar aos intelectuais e centros de investigação. Afirmações gratuitas, sem um só caso que as fundamente empiricamente, recurso a autores que corroborem o que é o seu pressuposto sem apresentar qualquer contraditório, linguagem virulenta contra intelectuais e universidades com generalidades com as quais todos podem mostrar-se concordantes, sobretudo os muitos ressentidos que, de algum modo, com ou sem justiça, viram as suas propostas de carreira universitária negadas.

segunda-feira, outubro 06, 2025

Como justificar uma crença?

 


Nanna Heitmann, setembro 2023, Ucrânia

O termo 'justificado', presumo, é um termo valorativo, um termo de apreciação. Qualquer definição ou sinónimo correto do mesmo apresentaria também termos avaliativos. Presumo que tais definições ou sinónimos possam ser fornecidos, mas não estou interessado neles. Quero um conjunto de condições substantivas que especifiquem quando uma crença é justificada. Compare o termo moral 'certo'. Este pode ser definido noutros termos ou frases éticas, uma tarefa apropriada à metaética. A tarefa da ética normativa, por outro lado, é a de estabelecer condições substantivas para a rectidão das acções. A ética normativa tenta especificar condições não éticas que determinam quando uma ação é correta. Um exemplo familiar é o utilitarismo dos atos, que diz que uma ação é correta se e só se produz, ou produziria, pelo menos tanta felicidade líquida como qualquer alternativa aberta ao agente. Estas condições necessárias e suficientes não envolvem claramente noções éticas. Analogamente, quero que uma teoria da crença justificada especifique em termos não epistémicos quando uma crença é justificada. Este não é o único tipo de teoria de justificação que se pode procurar, mas é um importante tipo de teoria e o tipo procurado aqui.

Algumas palavras introdutórias sobre o meu explicandum são apropriadas neste momento. Muitas vezes presume-se que sempre que uma pessoa tem uma crença justificada, ela sabe que é justificada e sabe qual é a justificação. Presume-se ainda que a pessoa pode declarar ou explicar qual a sua justificação. Nesta visão, uma justificação é um argumento, defesa ou conjunto de razões que podem ser apresentadas em apoio de uma crença. Assim, estuda-se a natureza da crença justificada considerando o que uma pessoa poderia dizer se fosse solicitada a defender ou justificar a sua crença. Não faço nenhum deste tipo de suposições. Deixo em aberto a questão se, quando uma crença é justificada, o crente sabe que ela é justificada. Deixo também em aberto a questão se, quando uma crença é justificada, o crente pode declarar ou dar uma justificação para a mesma. Nem sequer assumo que, quando uma crença é justificada, haja algo ‘possuído’ pelo crente que possa ser chamado de justificação'. Presumo que uma crença justificada obtém o seu estatuto de justificada a partir de alguns processos ou propriedades que a tornam justificada. Em suma, deve haver alguns processos ou propriedades que confiram justificação. Mas isso não implica que deva haver um argumento, ou razão, ou qualquer outra coisa,(…)

Admitindo que os princípios da crença justificada devem fazer referências às causas da crença, que tipos de causas conferem justificação? Podemos compreender este problema revendo alguns processos de formação de crenças falhadas, ou seja, processos cujos resultados de crenças seriam classificados como injustificados. Eis alguns exemplos: raciocínio confuso, pensamento positivo, dependência do apego emocional, mero palpite ou suposição e generalização precipitada. O que têm estes processos falhados em comum? Partilham a característica da falta de fiabilidade: tendem a produzir erros grande parte do tempo. Em contraste, que espécie de processos de formação (ou sustentação) de crenças conferem justificação intuitivamente? Incluem processos perceptivos padrão, recordação, bom raciocínio e introspeção. O que estes processos parecem ter em comum é a fiabilidade: as crenças que produzem são geralmente verdadeiras. A minha proposta positiva, então, é esta.

O estatuto justificativo de uma crença é uma função da fiabilidade do processo ou processos que a causaram, onde (como uma primeira aproximação) a fiabilidade consiste na tendência de um processo para produzir crenças que são verdadeiras em vez de falsas.

ALVIN I. GOLDMAN, (1979), What Is Justified Belief? ,pp 96,100,101