domingo, dezembro 28, 2025

Ser, é procurar uma linguagem para encontrar um sentido, ou, encontrar o sentido é o momento de silêncio e de mudez?

 


Ernst Hass, Austria, Ernst Haas (Viena, 2 de março de 1921 - Nova Iorque, 12 de setembro de 1986) 


Os homens falam para responder e são para falar. Quando terminam de falar deixam de ser. Pois um laço extraordinário entrelaça morte e sentido no tecido da existência humana: vigor silencioso de uma mesma essência. presença serena do mesmo nada criativo.

O homem é o ser que fala mesmo quando não fala e cala, recolhendo-se no silêncio do sentido, assim como é o ser que morre, mesmo quando não morre e vive, recolhendo-se à temporalidade da existência. A fala remete para além e para aquém das palavras, mas este remeter não é semântico nem sintático. É o silêncio do sentido. A fala só fala para e por calar. A palavra essencial, sendo a essência da palavra no tempo das realizações, é apenas silêncio. Por isso, não há nada nem além nem aquém da palavra, só se dá mesmo o nada. E não se trata de um nada negativo, nem nada que se esvai e contenta em negar tudo sem negar a si mesmo em sua negação. Trata-se de um nada criativo, um nada que deixa tudo originar-se: a terra, o mundo, a história, os homens, com todas as negações e afirmações. É um nada que constitui a estrutura ser-no-mundo. Mas por que ser-no-mundo? O tema central e a questão nuclear de uma filosofia ainda não formam, no dizer de Parmênides. "o coração intrépido" do pensamento. Na qualidade de tema e questão, já resultam de um esforço de tematizar e de um trabalho de questionar. Tematizar e questionar são tentativas de se falar e dizer, no nível e por meio de discursos de uma língua. Ora, o dizer do discurso se nutre de um contato pré discursivo e ante linguístico com um tempo de verdade e sentido que, face ao trabalho temático, é tão originário que se torna uma fonte de inteligibilidade e compreensão, de atividade e decisão. O mistério deste contato impôs, ao longo da história do Ocidente, toda uma série de registros diferentes para evocá-lo. Ao indicar uma diversidade de estilos e épocas, de línguas e discursos, a diferença dos registros afirma, sobretudo, uma identidade radical, um além ou aquém do discurso, uma experiência primeira de doação, a partir da qual fala o filósofo, decerto não para adorá-la e sim para manter-se fiel, e abrir espaço ao silêncio do ser, nos tempos de seu sentido. E o que é este ser sempre em silêncio e retirada? - Nós não podemos saber. O que certamente podemos é apenas dizer que o ser é o que, justamente por retirar-se e calar-se, nos possibilita falar, perguntar, questionar e dizer. Estamos sempre imersos no retraimento do ser. Esta imersão nos proporciona, a cada passo, a experiência de sentir a impossibilidade de falar e dizer o que é o ser. Mas trata-se de uma impossibilidade criativa. Pois é na sua experiência que nos apercebemos do sentido de todos os seres. Não apenas é impossível dizer o ser. Também não carece fazê-lo, não é preciso. E por quê? - Porque em tudo e sobre tudo que se venha a falar, é preservando essa impossibilidade que se pode dizer qualquer coisa. O ser é, pois, a estância, na palavra de Heráclito, o nous, onde o mistério convoca e atrai o homem. O ser e o homem não apenas se limitam como, por e para fazê-lo, se visitam. Por esta estância passam todos os caminhos de compreensão dos discursos. Nesta estância, instala-se todo diálogo de pensamento entre os homens. A partir desta estância, os pensadores podem pensar, sempre pela primeira vez, o advento do sentido e da verdade, no tempo das realizações.

 

Martin Heidegger, O Ser e o Tempo, (1926), S. Paulo, Editora Vozes, 2005

Tradução de Marcia Sá Cavalcante Schuback

 

Sem comentários: