Enquanto a heterossexualidade representa a Ordem Global em cujo quadro a cada sexo é fixado o seu justo lugar, as reinvindicações queer não constituem simplesmente reclamações visando o reconhecimento das suas práticas sexuais e modos de vida, mas são qualquer coisa que abala a própria ordem global e a sua lógica de hierarquização e de exclusão; precisamente enquanto tal, deslocados em relação à ordem existente, os queer representam a dimensão de Universalidade (ou, antes, podem representá-la, na medida em que a politização nunca se encontra directamente inscrita na posição social objectiva, mas induz o gesto de subjectivação). Judith Butler desenvolve uma poderosa argumentação contra a oposição abstracta e politicamente regressiva entre a luta económica e a luta queer "puramente cultural",pelo reconhecimento: longe de ser "puramente cultural" a forma social de reprodução sexual estaria no próprio núcleo das relações sociais de produção, o que quer dizer que a família heterossexual nulear constituiria uma componente-chave e uma condição das relações capitalistas de propriedade, de troca, etc; por isso, a maneira como a prática política queer questiona e sapa a heterossexualidade normativa constitui uma ameaça potencial para o próprio modo de produção capitalista.1
1. ver Judith Butler, Merely Cultural, New Left Review, 227, Janeiro, Fevereiro de 1998, pp.33, 34
Slavoj Zizek, Elogio da Intolerância, Relógio D'Água, 2006, pp 86,87