segunda-feira, junho 17, 2013

Reflexões sobre a greve de professores

 

Ao fim de largas horas de indecisão optei por fazer greve. Estava, como sempre, dividida, e não estava sozinha, havia muitos professores como eu, divididos. Ouvi depois o ministro indiferente ao drama, sobranceiro, a convocar todos para vigiar os exames, como se os professores fossem substituíveis até pelo merceeiro e percebi o desrespeito pela classe e pelo diálogo, nesse momento houve valores antigos que se tornaram importantes, a solidariedade de classe, a indignação por sermos colocados entre a espada e a parede. Não nos restava nenhum outro modo de afirmar essa indignação perante a política cega e imediatista que agrava o desemprego e empobrece o ensino público. Ora, penso, o maior mal do nosso país é o desemprego, a falta de trabalho. Muitos há que não fizeram greve por medo de o perder, desses, muitos, têm mesmo o emprego ameaçado. O que se pretende afinal? Se alargamos o horário de trabalho de alguns professores é óbvio que outros ficarão sem trabalho, não é preciso ser muito perspicaz para retirar essa conclusão. Quantos ordenados se economizam? Quantos subsídios de desemprego? Quantas pessoas à toa? Poderia ser um assunto insignificante mas é todo o assunto, uma política destas têm consequências, além do desemprego de muitos, temos os outros, os que ficam a trabalhar em todo o tipo de tarefas para além de dar aulas, substituições de professores que faltam, assessorias, tutorias, apoios vários para suprir a falta de funcionários, trabalho administrativo para poupar no pessoal de secretaria etc etc etc. Esse é o projecto, ser professor será cada vez mais uma tarefa de funcionalismo. O professor do ensino público será um funcionário, isto é, uma espécie polivalente capaz de manter a instituição e os respectivos jovens ocupados em tarefas, atentos fiscais do seu cumprimento mais do que do ensino e na avaliação reais, quando digo real digo, uma avaliação honesta que separasse os alunos que aprendem dos que não o fazem e exigindo que os que não aprendam voltem a tentar e a perceber que têm de o fazer, pois isso não é indiferente para a sua permanência na instituição. O problema surge aqui, na tendência para se desvalorizar a actividade do ensino e do saber, de facto a sociedade liberal valoriza empreendedores, mas não sábios, esses são até uma raça de gente a evitar. Quanto ao ensino “a sério” passaria a estar a cargo de instituições privadas. Basta olhar para os resultados do ensino Público e Privado nos exames do 12ºano para perceber a tendência. Se há dez anos o Público rivalizava em resultados semelhantes, hoje a clivagem é muito maior. Porquê? Porque o investimento na preparação para os exames, que passa por um certo grau de exigência científica, está, no público, minimizado, se um professor do ensino público quiser mantê-lo terá de se recusar a levar a exame muitos alunos, ora, reprovar alunos hoje é sinónimo de mau ensino, logo de mau professor e ninguém quer estar na margem desse "sucesso" de conseguir os resultados mínimos (mesmo que esse mínimo seja muito pouco) para os seus alunos.

Pela primeira vez a sociedade está dividida, porque pela primeira vez há uma atitude que tem resultados visíveis na sociedade, parece que consideramos normal que uma paralisação do trabalho seja coisa privada de uma classe, prejudicando apenas aqueles que a fazem ao reduzir-lhes o ordenado. Mas a responsabilidade deste caos é a massa de silêncios e atropelos dos últimos anos reduzindo progressivamente a justiça e o bom senso necessários para que todos possam exercer o seu trabalho com segurança.


Helena Serrão

segunda-feira, junho 03, 2013

Greve às avaliações




Portugal tem um digno serviço público de ensino. Tem fragilidades mas garante uma formação geral que, comparativamente com outros países como a Inglaterra ou os Estados Unidos, é globalmente boa. Portugal não tem uma economia que garanta emprego às pessoas, muitos não arranjam trabalho, acima dos quarenta diria, pelos casos que conheço, é quase impossível arranjar trabalho. Colocados estes dados, que, penso, são consensuais, não há nenhum sistema de razões mais poderoso que aquele que nos permite concluir o seguinte: Primeiro: aumentar as turmas e o horário de alguns professores, os que estão há mais anos no ensino e, por isso, mais cansados, para poder despedir com justa causa outros mais jovens mas não tão jovens que possam arranjar aos trinta e tal anos outro trabalho, é, no mínimo inumano, ilógico, insustentável.

Segundo: Se o Estado está falido e não tem dinheiro para pagar aos seus funcionários, faça uma nova gestão do dinheiro que tem para distribuir e não entre no absurdo capitalista de se considerar como uma empresa de lucro, como tantas empresas capitalistas. As pessoas, a educação, a saúde, não são elementos para o lucro capitalista. Não são.Ponto. Há limites para o absurdo. Criar mais riqueza para criar outros empregos quando isso implica despedir milhares de pessoas? Não tem sentido. Não tem sentido dar mais trabalho a uns para tirar trabalho aos outros.Daí que esta greve às avaliações seja o único instrumento da profissão que permite dar uma resposta a este absurdo, é uma questão ética e política. Não contem comigo para ser cúmplice desta pseudo-evidência de que se o barco se afunda, e os botes não chegam para todos, salvem-se alguns. Corramos todos para os botes. Todos temos esse direito. Se formos ao fundo, pelo menos vamos com dignidade. Não me quero "salvar" à custa da morte dos outros. A possiblidade deste pensamento dilemático já é um atentado à liberdade e à igualdade. Princípios nos quais acredito e defendo, seja qual for a circunstância.

Helena Serrão