Este argumento apela à tua intuição de que o destino das pessoas deve
depender das suas escolhas, e não das circunstâncias em que por acaso se
encontram. Ninguém merece ver as suas escolhas e ambições negadas pela
circunstância de pertencer a uma certa classe social ou raça. Intuitivamente
não achamos plausível que uma mulher, pelo simples facto de ser mulher,
encontre resistências à possibilidade de liderar um banco. Estas são circunstâncias
que a igualdade de oportunidades deve eliminar. Ora, estando garantida a
igualdade de oportunidades, prevalece nas sociedades actuais a ideia de que as
desigualdades de rendimento são aceitáveis independentemente de os menos
favorecidos beneficiarem ou não dessas desigualdades. Como ninguém é
desfavorecido pelas suas circunstâncias sociais, o destino das pessoas está nas
suas próprias mãos. Os sucessos e os falhanços dependem do mérito de cada um,
ou da falta dele. É assim que a maioria pensa.
Mas será que esta visão dominante da igualdade de oportunidades respeita a
tua intuição de que o destino das pessoas deve ser determinado pelas suas
escolhas, e não pelas circunstâncias em que se encontram? Rawls pensa que não.
Por esta razão: reconhecendo apenas diferenças nas circunstâncias sociais e
ignorando as diferenças nos talentos naturais, a visão dominante terá de
aceitar que o destino de um deficiente seja determinado pela sua deficiência ou
que a infelicidade de um QI baixo dite o destino de uma pessoa. Isto impõe um
limite injustificado à tua intuição. Se é injusto que o destino de cada um seja
determinado por desigualdades sociais, também o será se for determinado por
desigualdades naturais. Afinal, a tua intuição vê a mesma injustiça neste último
caso. Logo, como as pessoas são moralmente iguais, o destino de cada um não
deve depender da arbitrariedade dos acasos sociais ou naturais. E neste caso
não poderás aceitar o destino do deficiente ou da pessoa com um QI baixo.
O que propõe Rawls em alternativa? Que a noção comum de igualdade de
oportunidades passe a reconhecer as desigualdades naturais. Como? Dispondo a
sociedade da seguinte maneira: quem ganha na "lotaria" social e
natural dá a quem perde. De acordo com Rawls, ninguém deve beneficiar de forma
exclusiva dos seus talentos naturais, mas não é injusto permitir tais
benefícios se eles trazem vantagens para aqueles que a "lotaria"
natural não favoreceu. E deste modo justificamos o princípio da diferença.
Concluindo, a noção dominante de igualdade de oportunidades parte da intuição
de que o destino de cada pessoa deve ser determinado pelas suas escolhas, e não
pelas suas circunstâncias; mas esta mesma intuição consistentemente considerada
obriga a que aquela noção passe a incluir as desigualdades naturais. O que daí
resulta é precisamente o princípio da diferença. Como ninguém parece querer
abdicar do pressuposto da igualdade moral entre todas as pessoas, Rawls defende
que o princípio que melhor dá conta desse pressuposto é o princípio da diferença.
Faustino Vaz
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