quinta-feira, janeiro 29, 2015

Relativismo cultural (RC)



"Bem" significa "socialmente aprovado." Escolhe os teus princípios morais segundo aquilo que a tua sociedade aprova.
O relativismo cultural (RC) defende que o bem e o mal são relativos a cada cultura. O "bem" coincide com o que é "socialmente aprovado" numa dada cultura. Os princípios morais descrevem convenções sociais e devem ser baseados nas normas da nossa sociedade.
Começaremos por ouvir uma figura ficcional, a que chamarei Ana Relativista, e que nos explicará a sua crença no relativismo cultural. Ao ler o que se segue, ou explicações semelhantes, proponho-lhe que reflicta até que ponto esta é uma perspectiva plausível e se se harmoniza com o seu ponto de vista. Depois de ouvirmos o que Ana tem para dizer, consideraremos várias objecções ao RC.

1. Ana Relativista
O meu nome é Ana Relativista. Aderi ao relativismo cultural ao compreender a profunda base cultural que suporta a moralidade.
Fui educada para acreditar que a moral se refere a factos objectivos. Tal como a neve é branca, também o infanticídio é um mal. Mas as atitudes variam em função do espaço e do tempo. As normas que aprendi são as normas da minha própria sociedade; outras sociedades possuem diferentes normas. A moral é uma construção social. Tal como as sociedades criam diversos estilos culinários e de vestuário, também criam códigos morais distintos. Aprendi-o ao estudar antropologia e vivi-o no México quando estive lá a estudar.
Considere a minha crença de que o infanticídio é um mal. Ensinaram-me isto como se se tratasse de um padrão objectivo. Mas não é; é apenas aquilo que defende a sociedade a que pertenço. Quando afirmo "O infanticídio é um mal" quero dizer que a minha sociedade desaprova essa prática e nada mais. Para os antigos romanos, por exemplo, o infanticídio era um bem. Não tem sentido perguntar qual das perspectivas é "correcta". Cada um dos pontos de vista é relativo à sua cultura, e o nosso é relativo à nossa. Não existem verdades objectivas acerca do bem ou do mal. Quando dizemos o contrário, limitamo-nos a impor a nossas atitudes culturalmente adquiridas como se se tratassem de "verdades objectivas".
"Mal" é um termo relativo. Deixem-me explicar o que isto significa. Quero dizer que nada está absolutamente "à esquerda", mas apenas "à esquerda deste ou daquele" objecto. Do mesmo modo, nada é um mal em absoluto, mas apenas um mal nesta ou naquela sociedade particular. O infanticídio pode ser um mal numa sociedade e um bem noutra.
Podemos expressar esta perspectiva claramente através de uma definição: "X é um bem" significa "a maioria (na sociedade em questão) aprova X". Outros conceitos morais como "mal" ou "correcto", podem ser definidos da mesma forma. Note-se ainda a referência a uma sociedade específica. A menos que o contrário seja especificado, a sociedade em questão é aquela a que pertence a pessoa que formula o juízo. Quando afirmo "Hitler agiu erradamente" quero de facto dizer "de acordo com os padrões daminha sociedade".
O mito da objectividade afirma que as coisas podem ser um bem ou um mal de uma forma absoluta — e não relativamente a esta ou àquela cultura. Mas como poderemos saber o que é o bem ou o mal em termos absolutos? Como poderíamos argumentar a favor desta ideia sem pressupor os padrões da nossa própria sociedade? As pessoas que falam do bem e do mal de forma absoluta limitam-se a absolutizar as normas que vigoram na sua própria sociedade. Consideram as normas que lhes foram ensinadas como factos objectivos. Essas pessoas necessitam de estudar antropologia, ou viver algum tempo numa cultura diferente.
Quando adoptei o relativismo cultural tornei-me mais receptiva a aceitar outras culturas. Como muitos outros estudantes, eu partilhava a típica atitude "nós estamos certos e eles errados". Lutei arduamente contra isto. Apercebi-me de que o outro lado não está "errado" mas que é apenas "diferente". Temos, por isso, que considerar os outros a partir do seu próprio ponto de vista; ao criticá-los, limitamo-nos a impor-lhes padrões que a nossa própria sociedade construiu. Nós, os relativistas culturais, somos mais tolerantes.
Através do relativismo cultural tornei-me também mais receptiva às normas da minha própria sociedade. O RC dá-nos uma base para uma moral comum no interior da cada cultura — uma base democrática que abrange as ideias de todos e assegura que as normas tenham um amplo suporte. Assim, posso sentir-me solidária com pessoas que partilham comigo uma mesma comunidade, ainda que outros grupos possuam diferentes valores.
Antes de avançar para a secção 1.2, reflicta sobre as suas reacções iniciais ao relativismo cultural. O que lhe agrada ou desagrada neste ponto de vista? Que objecções tem a colocar?

2. Objecções ao RC
Ana deu-nos uma formulação clara de um ponto de vista acerca da moral que muitas pessoas consideram atractiva. Reflectiu bastante acerca da moral e isto permite-nos aprender com ela. Contudo, estou convencido de que a sua perspectiva básica neste domínio está errada. Suponho que Ana acabará por concordar à medida que as suas ideias ficarem mais claras.
Deixem-me indicar o principal problema. RC força-nos a conformar-nos com as normas sociais — ou contradizemo-nos. Se "bem" e "socialmente aprovado" significam a mesma coisa, seja o que for ao qual o primeiro termo se aplique também o segundo lhe é aplicável.
Assim, o seguinte raciocínio seria válido:
Isto e aquilo são socialmente aprovados. Logo, isto e aquilo são bens.
Se o relativismo cultural fosse verdadeiro, não poderíamos consistentemente discordar dos valores da nossa sociedade. Mas este resultado é absurdo. Claro que é possível consistentemente discordar dos valores da nossa sociedade. Podemos afirmar consistentemente que algo é socialmente aprovado e negar que seja um "bem". Isto não é possível se o RC for verdadeiro.
Ana poderia aceitar esta consequência implausível e dizer que é contraditório discordar moralmente da maioria. Mas esta seria uma consequência especialmente difícil de ser aceite. Ana teria de aceitar que os defensores dos direitos civis estariam a contradizer-se ao discordarem da perspectiva aceite pelos segregacionistas. E teria de aceitar a perspectiva da maioria em todas as questões morais — mesmo que perceba que a maioria é ignorante.

 Harry Gensler, Ética e Relativismo cultural

quinta-feira, janeiro 15, 2015

EPISTEMOLOGIA: A NECESSIDADE DE JUSTIFICAÇÃO


"Paul sabia que o seu cavalo iria vencer o Derby. Pelo menos, sentia a certeza de saber, e nunca se tinha enganado quando sentira aquela certeza no passado. A convicção de Paul não se baseava no estudo da forma dos cavalos. Nem ele via o futuro na revelação de uma visão. Na verdade, o nome do cavalo surgia quando ele andava no seu cavalinho-de-pau de brinquedo, para o qual ele já estava grande demais. Não que Paul ganhasse todas as apostas (ou aquelas feitas em seu nome pelos adultos que compartilhavam do seu segredo). Às vezes  não tinha tanta certeza, e outras vezes  não tinha a mínima ideia e apenas arriscara. Mas  nunca apostava muito nessas ocasiões. Quando tinha certeza absoluta, entretanto, apostava quase todo o seu dinheiro. O método até agora nunca o havia desapontado. Óscar, um de seus colaboradores adultos, não tinha dúvida de que Paul possuía uma habilidade extraordinária, mas não tinha certeza de que Paul realmente soubesse os vencedores. Não bastava que Paul, até agora, sempre tivesse ganhado. A menos que soubesse porque  tinha acertado, as fundações das suas crenças eram instáveis demais para sustentar o verdadeiro conhecimento. Entretanto, isso não impedia que Óscar apostasse o próprio dinheiro nas dicas de Paul."

Tudo aquilo que sabemos pode ser chamado de conhecimento? Muitas vezes o que, por qualquer motivo que seja, acreditamos ser verdade, não passa de coincidência. Para entrar no campo das certezas, é necessária a comprovação, a justificativa do porquê de ser ou não ser. A crença de Paul, que nunca falhou, é verdade absoluta por ter sido verdade até hoje? É possível provar que o seu cavalo venceria o Derby? Invariavelmente, a resposta para as duas perguntas é não. Mas, na ausência de certezas, ligamo-nos ao que nos parece mais seguro. E apostamos o nosso dinheiro nisso, mesmo que ainda haja dúvida.

O texto foi extraído do livro "O Porco Filósofo". "O vencedor do cavalo-de-pau".

sexta-feira, janeiro 09, 2015

Liberdade de expressão


O segredo seria fechar a boca. Quem não fala, não vê, não ouve, não tem dúvidas nem problemas.
Quem insiste em considerar  que a massa humana produz situações e crenças hilariantes é, curiosamente, levado a sério. O riso, a ironia, são armas poderosas para mostrar que a soma da totalidade dos nossos dogmas, não deixa de ser um produto estranhamente ridículo quando tomamos uma parte como o todo e o levamos a sério como a VERDADE.