"Bem" significa "socialmente aprovado." Escolhe
os teus princípios morais segundo aquilo que a tua sociedade aprova.
O relativismo cultural
(RC) defende que o bem e o mal são relativos a cada cultura. O "bem"
coincide com o que é "socialmente aprovado" numa dada cultura. Os
princípios morais descrevem convenções sociais e devem ser baseados nas normas
da nossa sociedade.
Começaremos por ouvir
uma figura ficcional, a que chamarei Ana Relativista, e que nos explicará a sua
crença no relativismo cultural. Ao ler o que se segue, ou explicações
semelhantes, proponho-lhe que reflicta até que ponto esta é uma perspectiva
plausível e se se harmoniza com o seu ponto de vista. Depois de ouvirmos o que
Ana tem para dizer, consideraremos várias objecções ao RC.
1. Ana Relativista
O meu nome é Ana
Relativista. Aderi ao relativismo cultural ao compreender a profunda base
cultural que suporta a moralidade.
Fui educada para
acreditar que a moral se refere a factos objectivos. Tal como a neve é branca,
também o infanticídio é um mal. Mas as atitudes variam em função do espaço e do
tempo. As normas que aprendi são as normas da minha própria sociedade; outras
sociedades possuem diferentes normas. A moral é uma construção social. Tal como
as sociedades criam diversos estilos culinários e de vestuário, também criam
códigos morais distintos. Aprendi-o ao estudar antropologia e vivi-o no México quando
estive lá a estudar.
Considere a minha
crença de que o infanticídio é um mal. Ensinaram-me isto como se se tratasse de
um padrão objectivo. Mas não é; é apenas aquilo que defende a sociedade a que
pertenço. Quando afirmo "O infanticídio é um mal" quero dizer que a
minha sociedade desaprova essa prática e nada mais. Para os antigos romanos,
por exemplo, o infanticídio era um bem. Não tem sentido perguntar qual das
perspectivas é "correcta". Cada um dos pontos de vista é relativo à
sua cultura, e o nosso é relativo à nossa. Não existem verdades objectivas
acerca do bem ou do mal. Quando dizemos o contrário, limitamo-nos a impor a
nossas atitudes culturalmente adquiridas como se se tratassem de "verdades
objectivas".
"Mal" é um
termo relativo. Deixem-me explicar o que isto significa. Quero dizer que nada
está absolutamente "à esquerda", mas apenas "à esquerda deste ou daquele"
objecto. Do mesmo modo, nada é um mal em absoluto, mas apenas um mal nesta ou
naquela sociedade particular. O infanticídio pode ser um mal numa sociedade e
um bem noutra.
Podemos expressar esta
perspectiva claramente através de uma definição: "X é um bem"
significa "a maioria (na sociedade em questão) aprova X". Outros
conceitos morais como "mal" ou "correcto", podem ser
definidos da mesma forma. Note-se ainda a referência a uma sociedade
específica. A menos que o contrário seja especificado, a sociedade em questão é
aquela a que pertence a pessoa que formula o juízo. Quando afirmo "Hitler
agiu erradamente" quero de facto dizer "de acordo com os padrões daminha sociedade".
O mito da
objectividade afirma que as coisas podem ser um bem ou um mal de uma forma
absoluta — e não relativamente a esta ou àquela cultura. Mas como poderemos
saber o que é o bem ou o mal em termos absolutos? Como poderíamos argumentar a
favor desta ideia sem pressupor os padrões da nossa própria sociedade? As
pessoas que falam do bem e do mal de forma absoluta limitam-se a absolutizar as
normas que vigoram na sua própria sociedade. Consideram as normas que lhes foram
ensinadas como factos objectivos. Essas pessoas necessitam de estudar
antropologia, ou viver algum tempo numa cultura diferente.
Quando adoptei o
relativismo cultural tornei-me mais receptiva a aceitar outras culturas. Como
muitos outros estudantes, eu partilhava a típica atitude "nós estamos
certos e eles errados". Lutei arduamente contra isto. Apercebi-me de que o
outro lado não está "errado" mas que é apenas "diferente".
Temos, por isso, que considerar os outros a partir do seu próprio ponto de
vista; ao criticá-los, limitamo-nos a impor-lhes padrões que a nossa própria
sociedade construiu. Nós, os relativistas culturais, somos mais tolerantes.
Através do relativismo
cultural tornei-me também mais receptiva às normas da minha própria sociedade.
O RC dá-nos uma base para uma moral comum no interior da cada cultura — uma
base democrática que abrange as ideias de todos e assegura que as normas tenham
um amplo suporte. Assim, posso sentir-me solidária com pessoas que partilham
comigo uma mesma comunidade, ainda que outros grupos possuam diferentes
valores.
Antes de avançar para a secção 1.2, reflicta sobre as suas reacções
iniciais ao relativismo cultural. O que lhe agrada ou desagrada neste ponto de
vista? Que objecções tem a colocar?
2. Objecções ao RC
Ana deu-nos uma
formulação clara de um ponto de vista acerca da moral que muitas pessoas
consideram atractiva. Reflectiu bastante acerca da moral e isto permite-nos
aprender com ela. Contudo, estou convencido de que a sua perspectiva básica
neste domínio está errada. Suponho que Ana acabará por concordar à medida que
as suas ideias ficarem mais claras.
Deixem-me indicar o
principal problema. RC força-nos a conformar-nos com as normas sociais — ou
contradizemo-nos. Se "bem" e "socialmente aprovado"
significam a mesma coisa, seja o que for ao qual o primeiro termo se aplique
também o segundo lhe é aplicável.
Assim, o seguinte
raciocínio seria válido:
Isto e aquilo são socialmente aprovados. Logo, isto e aquilo são bens.
Se o relativismo
cultural fosse verdadeiro, não poderíamos consistentemente discordar dos
valores da nossa sociedade. Mas este resultado é absurdo. Claro que é possível
consistentemente discordar dos valores da nossa sociedade. Podemos afirmar
consistentemente que algo é socialmente aprovado e negar que seja um
"bem". Isto não é possível se o RC for verdadeiro.
Ana poderia aceitar
esta consequência implausível e dizer que é contraditório
discordar moralmente da maioria. Mas esta seria uma consequência especialmente
difícil de ser aceite. Ana teria de aceitar que os defensores dos direitos
civis estariam a contradizer-se ao discordarem da perspectiva aceite pelos
segregacionistas. E teria de aceitar a perspectiva da maioria em todas as
questões morais — mesmo que perceba que a maioria é ignorante.